Conhecida pela obra literária que
exalta a cultura tradicional moçambicana, Paulina Chiziane reclama o espaço
devido à mulher e uma intervenção efectiva dos intelectuais na resolução dos
problemas que afligem a nação.
Quem era Paulina Chiziane no ano da
proclamação da Independência Nacional?
Era uma jovem que preparava o
enxoval esperando pelo noivo para casar, porque, nesse tempo, as mulheres eram
assim - não podiam sonhar muito com outras coisas. Lembro-me de uma colcha de
croché que comecei a fazer, e a minha irmã mais velha até se zangou, porque eu
nunca mais acabava. Mas preferia ler, mas as mulheres do meu tempo não
precisavam de ler; precisavam de saber fazer croché... as mulheres eram
preparadas para ficar fechadas na cozinha e dentro da casa. Então, quando se dá
a Independência Nacional, ou pouco depois, foi quase que uma explosão interior,
como quem diz “existe um outro mundo para além deste mundo pequeno em que
vivemos no tempo colonial”.
Que sonhos tinha para Moçambique
quando se proclamou a Independência?
Não vou mentir, acho que não tinha
nenhum... ou melhor, tinha: imaginava um mundo em que todos fossem iguais. O
discurso político também era esse: igualdade, igualdade, etc., então, acho que
imaginava um paraíso. Não sabia exactamente o que era a Independência, e também
não havia informações sobre o que era um país independente. Aprendemos a saber
o que era a Independência com a Independência.
Havia desconhecimento do que a
Independência podia trazer ao povo moçambicano?
Exactamente. Mas o que se imaginava
é que havia de ser um mundo bom, maravilhoso, em que seríamos todos iguais,
todos a comer feijão, todos a andar a pé... Na imaginação, e para as pessoas
que me rodeavam, tínhamos um mundo perfeito.
Como descreve Moçambique, numa perspectiva
social e cultural, nos primeiros anos de Independência Nacional?
Tenho saudades desse tempo, o mais
belo da História desta humanidade chamada Moçambique, porque acreditávamos
nesse mundo ideal. olhávamo-nos como irmãos, a solidariedade era maior, íamos
para as ruas marchar no 1.˚ de Maio e a 7 de Abril... enfim, aquele grito de
liberdade como quem diz “há um mundo novo que está a abrir-se”. Estas atitudes
atrevidas aprendi-as na altura: sair pela janela para ir à rua gritar “Viva a
Independência”, sem saber o que fazia; desafiar os pais com o sonho de fazer
algo que ainda estava por vir. Foi uma altura que marcou esta força e
personalidade que hoje tenho, o momento de transição de uma situação para outra
com os seus problemas, os seus conflitos, e ter que gerir e aprender uma vida
nova. Há muitos jovens que crescem sem passar por uma turbulência e, quando
ficam adultos, tornam-se pessoas pacatas, sem essa vontade de desafiar para
construir alguma coisa. Naquele momento, o que me movia para as ruas era a fé
num mundo melhor que não sabia o que era e desafiava tudo e todos para
construir esse ideal.
Quais foram as grandes lições dessa
turbulência?
Várias. Para se poder construir é
preciso sonhar, e esse momento de sonho trouxe muitas realizações. Lembro-me de
estar com um grupo de jovens da Matola, gente do chão, e cada um fez alguma
coisa de bom para a comunidade, para a sociedade, para o país. todos venceram
na vida! Essa vontade de criar fez de nós pessoas que lutaram e chegaram a
algum lugar.
O sistema colonial oprimia as
manifestações da cultura moçambicana. Com a Independência, conseguimos resgatar
os nossos valores culturais?
O colonialismo, em África e em
Moçambique, tem mais de cinco séculos. O ser moçambicano, o ser negro, a
identidade do ser africano vem sendo destruída há 500 anos. Hoje, fazemos 40
anos, e quarenta fará o meu filho no próximo ano. Esta Independência ainda é
criança. Portanto, precisamos de séculos de luta para fazer com que haja uma
identidade de facto, uma Independência efectiva, uma estabilidade. Vivi o tempo
colonial e a grande repressão que vivi de forma directa foi a do racismo nas
escolas secundárias e as grandes proibições: não se podia falar a língua, tinha
que se afastar das tradições, faziam de nós outra coisa que não somos. Mais:
numa infância mais distante, lembro-me de ver homens a serem capturados na rua
para serem levados para São Tomé. É uma daquelas dores profundas que tenho - eu
devia ter oito, 10 anos, ía pela rua, passava um carro com os polícias
coloniais, prendiam gente a torto e a direito e metiam-nas nos barcos para
nunca mais voltar. Sinceramente, não há coisa mais bela do que a liberdade, do
que a independência. A repressão era horrível.
Década e meia depois, Paulina
Chiziane casa-se com a escrita e desafia a tradição oral, passando a contar as
nossas histórias através da escrita. Por que decide ser escritora e eternizar
as nossas histórias em livro?
Há várias razões. A escrita tem algo
a ver com o indivíduo... Ou melhor, a arte é a essência de qualquer ser humano
e eu, como humana, trago a arte dentro de mim. Nos meus 12, 13, 14 anos, tinha
grandes sonhos e o primeiro era pintar, fazia grandes pinturas. O pouco papel
que o meu pai podia dar, gastava-o a desenhar, e isso foi reprimido. O sonho da
pintura morreu assim. Mas, ao mesmo tempo, gostava de cantarolar na igreja e
cantigas de roda, recordo-me de compor algumas. Mas o sonho de cantar também
tinha de morrer, porque mulher não pode cantar, só na cozinha ou na igreja.
fora destes dois mundos, não se pode realizar, porque é mulher. Então, pega num
caderno e faz de conta que está a estudar, enquanto está a escrever poemas... e
torno-me escritora porque não podia ser pintora nem cantora. Quando o “velho”
descobriu que eu gastava os cadernos todos em confusão e não a estudar, levei
muita sova, mas já era tarde, e afirmei-me assim mesmo.
Desafiou as portas que se fechavam
no ambiente familiar...
Se tivesse nascido independente, não
teria levado tanto tempo para publicar um livro, porque dentro de mim fervilham
muitas histórias, a minha cabeça tem muita confusão. Mesmo quando era miúda.
agora que estou a ficar velha, está a ficar pior...
Crimildo Baule diz que Paulina
inicia as obras com provérbios para moralizar os homens e que estes, ao lê-los,
tomam consciência de que a subordinação os empobrece, pois masculinidade não é
superioridade. Como descreve as relações de género em Moçambique?
Não gosto da palavra, por causa das
mil interpretações que se atribuem às relações de género, tal como à palavra
feminismo. Sou de Gaza, região patriarcal por excelência. Ali, mulher não é
nada. Vivi a repressão do sistema colonial e vivi um sistema patriarcal, que é
outra forma de repressão. Na minha tradição chope, vizinha da changana, a
mulher não tem terra, não tem direitos nenhuns. Cresci com esta mágoa. Não eram
os meus pais, era mais o mundo que me rodeava. sentada ao lado dos meus irmãos,
sentia esta diferença de trato: filhos eram os homens; as mulheres eram filhas
passageiras. Um dia, casei-me. Quando cheguei à casa do homem, também não era a
minha casa... era estrangeira no ventre onde nasci, estrangeira para onde fui.
onde fica, então, o meu lugar? Onde pertenço? O sistema patriarcal do
colonialismo mais o da tradição eram uma repressão terrível para as mulheres.
Quando vem a Independência, com a expressão “libertação e emancipação da
mulher”, foi algo novo, com os discursos que falavam da emancipação da mulher,
de um mundo que ainda há de vir.
Liberdade, no que respeita à mulher,
em que se traduzia?
Quando uma pessoa acredita numa
coisa boa - a liberdade que há de vir, mesmo que não saiba de onde -, ganha
energia e parte para a aventura. Foi o que aconteceu. o que era emancipação não
interessa. Aquilo era chegar à reunião e “Viva a Frelimo, viva! Viva a
emancipação da mulher, viva!”. Ficávamos horas e horas, e as donas de casa iam
para casa e levavam sovas dos maridos, porque falavam da emancipação da mulher
e não sabiam o que era. Do discurso, foi-se à pratica. o ponto de partida, a
fé, a crença no mundo melhor, porque, como mulher, tínhamos o sistema
tradicional, o sistema colonial, e quando alguém vem e diz “podes ser livre”, a
gente pára e diz “a gente não é livre”, não interessa não saber o que é a
liberdade, vai saber depois, vai-se andando.
Qual deve ser o lugar da mulher na
sociedade?
A mulher esteve sempre no seu lugar.
os outros é que não o reconhecem. A mulher que é filha está na sua família, e é
a família que deve reconhecer o lugar desta criança, mas a família e a tradição
enxotam-na, tal como no casamento. Assim, a mulher esteve sempre no seu lugar,
os outros é que não o reconhecem e, ainda por cima, reprimem esta mulher que
está a desempenhar o seu papel. Depois, na região sul, ainda hoje os homens
estão sempre a imigrar para África do Sul, como os jovens têm de ir à tropa,
quem fica em casa a tomar conta da família é a mulher. Portanto, na região sul,
quem preserva os valores que reprimem a mulher são outras mulheres, mais
velhas, que se tornam ainda mais machistas do que os próprios homens.
Nestes 40 anos, houve transformação
deste pensamento?
Houve. Dá-me prazer ir a distritos
como Guijá, Manjacaze, e encontrar uma avó que diz “estou a vender amendoim
para comprar cadernos para a minha filha”. Só isso é sinal de mudança, porque
nesse tempo era “a minha neta ou as meninas desta casa devem aprender a pilar,
a lavar e a esfregar, para um dia casarem”. Houve mudanças e muitas
significativas. Mas, claro, 40 anos é muito pouco, temos de caminhar para ir
muito mais longe.
E como viu o papel do Governo neste
processo de fazer com que a mulher assumisse novo papel e fosse vista de forma
diferente?
Não gosto de falar de governos,
prefiro falar do movimento social na altura da Independência, altura de
discursos - “libertação da mulher, desenvolvimento” - que começaram a acender
novas luzes nas consciências. Mas a saída de uma situação de repressão para uma
situação de liberdade trouxe conflitos, principalmente para as mulheres:
entendiam que havia emancipação, mas não sabiam exactamente o que era. E, aos
poucos, o próprio Governo começou a organizar grandes programas destinados à
mulher. A gente, quando olha para os programas da Saúde, da Educação, vê que a
situação da mulher em Moçambique, seja na política ou no mundo cultural, mudou
muito. Há países que se dizem desenvolvidos, até da Europa, que não conseguem
ter leis tão boas. e mesmo no continente africano, há países em que os salários
do homem e da mulher são diferentes. Em Moçambique, felizmente, já não temos
isso. Então, embora não goste de coisas de Governo, tenho de dizer parabéns. Já
tivemos uma primeira-ministra, quem diria?!?. O meu sonho é que o próximo
Presidente seja uma mulher.
Vendo os espaços que já conquistou e
os espaços que tem de preservar no campo doméstico, quais são ainda os desafios
da mulher moçambicana?
O grande desafio é a própria mulher.
Porque, às vezes, por querermos sair da cozinha, acabamos por querer ser iguais
aos homens. Ora, isso também não dá. uma mulher tem que ser ela própria, ser
reconhecida e respeitada (e fazer-se respeitar)como mulher.
O que é ser mulher?
É sermos o que já somos: mães,
educadoras, companheiras, empregadas ou subordinadas; aquela que participa na
construção de uma sociedade.
As suas obras baseiam-se na tradição
e costumes (niketche é uma história de poligamia). noutras, testemunha-se a
libertação do intimismo feminino. Como relaciona a liberdade da mulher e a da
sociedade?
Há um preconceito: o homem tem que
mandar, tem que controlar para se sentir mais homem. mas, nos dias que correm,
as mulheres fazem “xitiques”, fazem negócio, vão à procura de emprego e trazem
bom salário. Então, os homens de hoje têm muito mais dinheiro para a cervejinha
do que antigamente, e sabem que, algumas vezes, podem beber a mais porque as
mulheres têm salário e os filhos não vão passar fome. Infelizmente, as nossas
liberdades, por vezes, trazem problemas. há homens que se tornaram polígamos
porque a mulher conseguiu bom salário que ele, com esse dinheiro, acha que pode
ter mais uma... Os homens são mais livres quando a mulher também o é.
Sente que a nossa tradição e os
valores culturais estão ao serviço do desenvolvimento?
Esse é um debate muito grande.
Porque há muitos preconceitos sobre aquilo que é tradição. Os africanos,
quando olham para a própria tradição, por causa da mentalidade colonial, vêem
um inferno: tudo é negativo! No moderno, vêem o paraíso. Mas é mentira! O mundo
moderno tem o seu inferno - o terrorismo, a intolerância religiosa, etc., e os
africanos pagam por isso. Portanto, não gosto de quem diz que a vida moderna é
que é. As nossas tradições têm lado bom e mau. Um exemplo: quando declarámos a
Independência, as tradições foram consideradas retrógradas e perseguidas, houve
grande combate aos ritos de iniciação, com curandeiros presos e humilhados em
todo o país. Que grande erro! Hoje, descobrimos que os ritos de iniciação têm
lado bom e mau: é nos ritos que a mulher aprende a ser mulher - claro que o
casamento prematuro é negativo, mas o aprender o corpo e aprender a ser mulher,
aprender a agradar e a agradar-se não faz mal a ninguém. Quiseram eliminar tudo
só porque é tradicional! Então, ainda não tivemos tempo para nos libertarmos
mentalmente. Para mim, a independência que temos ainda é só política, temos
muito que caminhar (talvez mais 400 anos) para reconhecer e valorizar o bom da
tradição.
A cultura está a ser chamada ao
nosso desenvolvimento?
De certa maneira, a cultura ainda
faz parte do discurso político e social, mas é preciso dar passos concretos
para que contribua mais para termos a nossa própria identidade. Como escritora,
passei por situações incríveis. Saio do nada, quero entrar para o mundo da
literatura e a primeira que coisa que me dizem é “o teu português não é bom,
tens que escrever bem”. Mas porque tenho que escrever bom português, se não sou
portuguesa e estou a aprender português. por que exigem o que jamais poderei
ser? “Ahh... Paulina! Os teus livros só falam de mitos e histórias de gente do
campo, devias escrever outra coisa...”. Foi uma luta terrível! Os meus livros
não começaram a ser reconhecidos em Moçambique. Não! os moçambicanos
submeteram-se porque, atrevida que sou, fui desafiando, publicando aqui e ali,
até que as pessoas começaram a ver que, afinal, para se ser escritor não é
preciso falar como outro, mas sim como o próprio moçambicano, vincando a
identidade. Foi uma luta muito grande e, felizmente, as pessoas já aceitam os
meus livros com os seus provérbios. até escrever provérbios era problema para
algumas cabeças assimiladas. Daí que independentes somos, mas ainda cheios de
preconceitos.
E de que precisam os moçambicanos
para se livrar dos problemas que impedem o desenvolvimento social e cultural?
A cultura é a base, o reconhecimento
de quem eu sou. a Paulina, aquela mulher que nasceu em Manjacaze e cresceu no
subúrbio, que tem a língua materna x, que é filha deste país e pertence ao
mundo. Muitas vezes, o que faz com que o ser não avance é o pensar que “não
falo bem português”, “não sou capaz porque a minha pele é mais escura”,
“não venho de um estrato social assim, assim”. O padrão do colonialismo, às
vezes, cria obstáculos para que a pessoa avance. Uma vez, estava numa
conferência na Alemanha, com super-doutores de muitos países, incluindo de Moçambique
e Portugal, que foram apresentar aquelas lindíssimas comunicações e falavam
muito bem português. Quando chego, perguntam: “O que vem cá fazer a Paulina?
Nem tem formação superior...”. E, de repente, uma criança alemã
(devia ter uns oito anos) levantou-se no meio da conferência e gritou:
“Conte-me uma história africana”. Os doutoríssimos todos olharam-se e
descobriram que eles têm conhecimento, mas a história africana sou eu!
Levantei-me e contei a história. quando termino, a sala devia ter, sem exagero,
mil pessoas a aplaudir, e a história foi a marca de toda a conferência. Foi aí
que aprendi: se queres ser alguém e caminhar, aceita como és - gorda, magra,
escura, changana, macua, rica... - e vai: liberta-te dos preconceitos. Foi
assim que venci e aqui estou.
A obra “Sétimo juramento” é uma
viagem a um mundo cheio de emoções e aborda a feitiçaria com frontalidade. Como
pode este tipo de crença acrescentar valor à sociedade?
No “Sétimo juramento” há várias
crenças, mitos que encontro, por exemplo, na Bíblia Sagrada. mas quando o povo
fala, é obscuro, é esta a diferença, porque a base é a mesma. A sociedade
precisa de mitos (todas precisam de mitos) mas a minha grande questão é esta:
por que acreditar na feitiçaria? Eu descrevo a crença na feitiçaria não por acreditar
que há ou não feiticeiros, mas porque esta crença faz vítimas. Há muita gente
que morre acusada de o ser.
No “Sétimo juramento” há muitas
mortes...
Exactamente. No quotidiano, na
televisão, a gente vê matarem uma velha porque era feiticeira... E, depois, os
ditos eruditos têm medo de falar destas verdades. Mas é preciso falar da
feitiçaria, sim, entender a dimensão desta crença, deste mito, e aos poucos
começar a desmantelá-lo. O ser humano precisa de mitos para viver. quando o
mito vem do estrangeiro, é sagrado; quando vem do africano, é diabólico. Não
estou de acordo com isso. Com as forças que tiver, vou lutar para fazer
perceber que uma crença é uma crença e não a raça nem o país de onde vem. O
mundo moderno também está cheio de mitos extremamente negativos. quando ligamos
a televisão, vemos que um louco foi matar 200 estudantes num lugar qualquer
porque acha que é sagrado. Isso são mitos negativos da Modernidade...
Quando a organização social de uma
sociedade assenta na magia ou na feitiçaria, como pode o Governo, com recurso
ao conhecimento ocidental, lidar com os problemas dessa comunidade?
Não há nenhuma sociedade que se
baseie na crença. Falei de mitos. a crença na feitiçaria pode ser mito e a
crença no Espírito Santo também. Há um trabalho profundo a fazer, não só do
Governo. Os intelectuais, seja quem for, ao serviço de uma instituição ou como
indivíduo, os grupos sociais é que são chamados a fazer a transformação
positiva. A gente tem que se organizar e educar a sociedade para sair da dependência
desses mitos. O trabalho de transformação das mentalidades é da
responsabilidade dos intelectuais. Não esses, com corpo de preto e cabeça de
branco, porque o nosso país está cheio disso. mas sim um intelectual que assuma
a sua cultura como algo a preservar, combatendo o que está errado. Quando digo
que a independência é criança, é neste aspecto. Estamos preocupados em ser
vistosos, bonitos, ter dinheiro no banco, mas pensar na construção da nossa
sociedade e na solidificação de valores bons ainda não faz parte de nós. E a
maior parte das instituições académicas faz bem o seu trabalho, mas, quando
fala da identidade e da cultura, fala do mussiro, da matapa e da capulana, como
se isso fosse a essência de um povo. não é! O intelectual é aquele que deve trabalhar,
construir, despertar e fazer com que as pessoas sejam cada vez melhores.
Espera-se tudo do Governo, e a sociedade, para que serve? Nunca vi tantas
universidades como hoje. em 1975 só tinha uma; doutor preto só conhecia um,
mas, hoje, tudo é doutor! Mas esse doutor serve? Qual é o trabalho que faz?
Senta na cadeira, no ar-condicionado, à espera que o Governo resolva? A
sociedade tem que trabalhar, sim.
Diz que “a obsessão pelos mortos é
característica dos que temem a luta pela vida”, e diz também “não
responsabilizemos os mortos pelos fracassos dos vivos”. Como é percebida esta
mensagem, tendo em conta a confusão que se cria em relação ao que escreve e ao
que pretende transmitir?
É preciso fazer entender a sociedade
que os mortos também tiveram as suas batalhas, que é preciso lutar e não ficar
à espera que um morto venha resolver os problemas. Conheço muita gente que vai
à igreja todos os dias rezar para ser abençoada e para acordar aqueles santos.
não vai à machamba (lavra), não vai trabalhar. Quando se fala nos mortos, pensa-se nos
pretos; aquele que vai à igreja ajoelhar à santa, não! Deixa a santa descansar
e vai trabalhar, malandro! Só isso.
Que análise faz deste clima de
instabilidade política que o país está a viver?
A minha avó contava-me histórias do
tempo em que era mais jovem. No tempo de Tchaka sofremos, no tempo de
Ngungunhana sofremos, resistimos e vencemos. No tempo colonial também sofremos
e, neste conflito, venceremos, nós, o povo soberano. Os políticos são efémeros,
entram e saem. o povo é eterno, por isso, venceremos.
Que ventos do apocalipse o país
precisa para vencer?
Precisa de paz! Para se ter
democracia é preciso matar? Para quê? Mesmo que morramos como pessoa, como povo
sobreviveremos.
A paz e o amor são realidades algo
inexistentes nas suas obras. Isso reflecte o universo do país nesses 40 anos de
Independência?
Os meus livros são uma espécie de
negociação de uma nova identidade, seja de moçambicano, de feminina, cultural e
étnica, é por isso que há muitos conflitos. Até a gente serenar e sentir-se
bem, é preciso passar por turbulências. A identidade é algo muito forte, é
aquilo que nos dá substância para ficarmos livres. Por isso, a luta continua.
Para terminar, um provérbio para os
nossos leitores...
Tenho um que gosto muito que e diz
assim: “Se não sabes quem és, se não sabes onde ir, pára, olha para trás e
aprende a lição dos teus antepassados”.
o país
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