Amarrar ao corpo, cobrir
a cabeça, prender a criança às costas, enfim, vestir e proteger mulheres,
homens e crianças, essas são funções atribuídas a uma peça que entrou para o
continente africano para transformar silhuetas e espíritos.
A sua origem é ainda um
mistério. Ora é ligada ao Oriente ora à África, no Quénia. Entretanto, é facto
inegável que este pano foi adoptado e é venerado por vários países africanos,
incluindo Moçambique.
Há capulanas para todos
os gostos: coloridas, de variados temas. São tecidos que falam, que transmitem
sentimentos e anseios. Elas educam, contam histórias de povos, de nações. São
panos que alegram, embelezam e cantam conquistas. Há-os, também, que
representam a morte.
Actualmente, o seu uso
conheceu um boom. É uma febre que contagia sem distinção de
sexo e de faixa etária. Ela marca presença em vestidos, blusas, saias, calções,
camisas, calças… sapatos, bolsas, cintos, uniformes de trabalho. Cresce o
interesse e a utilização deste componente que se enraizou na cultura
moçambicana. É a capulana vestindo o corpo e o espírito.
O boom da capulana nas ruas de Maputo
Quando um pano cobre e identifica reforça a importância de alguns
elementos criados ou adoptados para apresentar a imagem de uma nação. O tecido
de capulana, com motivos representativos e cores fortes, salienta África e suas
aldeias transformando-se, desse modo, em um artefacto cultural deste
continente. Ela cobre o tronco e a cabeça, e cobre também a alma. Com efeito,
reverências, louvores e simbolismos são notáveis no discurso de quem a assume
como base para a sua vestimenta. Trata-se de estilistas e manequins humanos
que, orgulhosamente, exaltam-na e apresentam-na como uma marca que veio para
ficar. Argumentos? São notáveis no dia-a-dia: mulheres, homens e até crianças
demonstram, pelas ruas, a paixão por esta moda.
A sua importância não se
esgota em utilitarismos, reveste-se, igualmente, de simbolismos: “ela
identifica-nos como africanos. E eu gosto de amarrar a capulana ao corpo quando
estou em casa. Quando nos apresentamos desta forma os elogios são incessantes.
Ouvimos dos membros da nossa sociedade ‘Que mulher!’; ‘Isto é que é mulher!’, o
que faz com que vários indivíduos do sexo feminino não se desliguem deste
artigo”, afirma Yolanda Boca.
De qualquer forma, sem descurar desta sua
serventia, a sua aceitação é, também, notável através da confecção de vestidos,
blusas, saias, camisas, túnicas… de tons variados e feitios diferentes. É a
febre o momento. “Alinhei nessa moda há dez anos. O meu guarda-roupa
está repleto de roupa feita de capulana. Tenho … nem me lembro do número. Cerca
de trinta peças ou mais. São roupas coloridas, sou uma mulher alegre e adoro o
vermelho, simboliza o amor, a alegria”, declara Yolanda Boca.
De uma forma geral, tendo como mote da
conversa a capulana, África e Moçambique são, reiteradamente, evocados no
discurso dos falantes. Violeta Langa, residente em Maputo gosta de roupa feita
de capulana. Apoderando-se deste elemento, liga-o à sua propriedade como
moçambicana “demonstra a nossa moçambicanidade e, de uma forma geral, a
nossa forma de trajar, como africanos”. Hoje em dia, a capulana bate o ponto em diferentes ocasiões: “Nos
xitiques, casamentos, lobolos... usámo-la como vestidos, amarradas ao corpo…
respeitando e reforçando a nossa tradição”, afirma Violeta.
Para firmar a ala dos homens, Gabriel
Júnior, residente em Maputo, manifesta o seu amor, que dura vários anos, por um
pano. Melhor dito, que vem desde à nascença. A sua mãe carrega a culpa: “Ela é apaixonada por capulana
e veste-me deste tecido desde bebé”.
Com a faca e o queijo na mão os nossos
interlocutores cortaram à sua medida: “Já nacionalizamos a capulana.
Ela é nossa!”. “A mim não interessa que ela tenha sido importada num passado
longínquo, assumo a capulana como uma peça que identifica os africanos”,
afirmam.
Esse é também o sentimento de Armando
Simbine, funcionário público, residente na cidade da Matola, que confessou que,
trajado de roupa de capulana, se sente bem sob ponto de vista estético e
psicológico. Argumentando, revela que “combino as minhas roupas com as
da minha esposa. Isso é possível aplicando parte da capulana em golas, pulsos,
gravatas”. Entretanto, seu ego cresce por estas criações revelarem “a
nossa imagem, daí que nós, como africanos, devemos assumi-la”.
São efeitos visíveis no comportamento dos
homens e, principalmente, das mulheres. É algo que influencia mentes, que
norteia. Suzete Joana, residente em Maputo, sente que, “é meu dever
andar de capulana ou com uma capulana dentro da bolsa. Sou mãe”, justifica-se. Neste caso,
cumpre as ordens da sua tradição e a uma velocidade titânica. “Tenho
muitos vestidos de capulana. Nos últimos anos tenho mandado fazer mais roupa de
capulana, em prejuízo dos outros tipos de tecido”, confessa.
TRAJE PARA TODOS BOLSOS
FEBRE SURGIU HÁ SEIS ANOS
“Quando iniciei a minha carreira,
há cerca de 12 anos, não havia muito interesse pela capulana. A febre surgiu há
cerca de seis anos. Lembro-me que naquela altura, somente estilistas como
Teresa Chiziane, Rute Varela, Lucinda Mocumbi e Ivone Matabele, e talvez mais
um ou dois que não me lembro, trabalhavam com a capulana”, afirma Sara
de Almeida, estilista, residente em Maputo.
Sobre o trabalho que desenvolve, une o
clássico ao tradicional. “Para exemplificar, misturo taffeta, cetim,
chiffon com capulana. Também faço trabalhos misturando serapilheira com tecido
de capulana”.
Quando Sara de Almeida ingressa no mundo
da moda de capulana, era o tempo das roupas volumosas, usadas pelos congoleses
e nigerianos: “e eu interessei-me pela criação de peças mais frescas,
para o dia-a-dia. Criei uma roupa mais jovial e que acentua as curvas”,
brinca.
Com efeito, “as pessoas começaram
a interessar-se e para além da roupa do dia-a-dia, estenderam-se para peças
para ocasiões especiais, roupas de noivos, entre outras”. Clientes não
faltam. São mulheres, homens e crianças: “de todos os estratos sociais.
As pessoas gostam de se vestir bem”. O custo “começa de 3200 e
pode ir até os 45 mil meticais”.
Nas suas obras entram artigos desde
uniformes até à alta-costura. Trata-se de um trabalho esmerado que levou a
estilista até Angola Fashion Business, em 2011, onde foram mostrados, dentre
vários artigos, vestidos de noiva. “Alguns não eram cem por cento
africanos, ressalva, mas
foi uma experiência que me enobrece”.
TRABALHAR COM CAPULANA É DIGNIFICANTE
Djallo, como é conhecido na sua profissão
como alfaiate, trabalha e reside em Maputo, desde 2008 fazendo,
preferencialmente, trajes com recurso à capulana. “Gosto de trabalhar
com capulana. Sinto-me mais motivado por ser um tecido que identifica os
africanos”. Confirmando a febre do momento, afirma que “desde
2009 comecei a notar este fenómeno”. Numa
primeira fase, somente as mulheres engrossavam as fileiras dos interessados.
Mas, “a partir de 2012, houve uma grande demanda, também por parte de
jovens e adultos, de ambos os sexos. Entraram para esta moda, muitos deles
inspirados em feitios retirados da internet. E quando está em causa a
proveniência do material, qualquer que seja a origem da capulana é aceite, não
obstante o facto de que,“pessoalmente, gosto de capulanas importadas de
Bangkok, Tailândia. Elas não soltam tinta, diferente de algumas que são
comercializadas em algumas casas ”,
afirma Djallo.
FAZ-SE UM POUCO DE TUDO
“Com base na capulana, fazemos um
pouco de tudo, desde o vestido mais simples, passando pela utilização deste pano
para a feitura de bases para mesa, forragem de puffs, bolsas, carteiras,
malas… até à alta costura”, refere Cira Saldanha, estilista,
residente em Maputo.
Fora a versatilidade deste tecido, Cira
confessa o seu fascínio por ele, por ter “uma qualidade diferente dos
outros (os
clássicos). Ela tem um brilho que os outros tecidos não têm. As suas
cores são chamativas, os seus motivos são interessantes.”. Ainda
assim, chama atenção para o facto de ser importante ter em conta que cada
padrão, cor e outros aspectos determinam a escolha das peças. “A pessoa
deve ter em conta estes elementos, para que a escolha seja acertada e caia bem
em si”. Os seus preços dependem do modelo escolhido e… do tamanho do
cliente. É que “uns gastam mais tecido que os outros”, explica-se.
COM CAPULANA
TRANSFORMO CALÇADOS…
“Uso a capulana para estampar
sapatos, chinelos, cintos e bolsas. Faço este trabalho há oito anos”,
Horácio Mazive, antigo engraxador, agora artesão, residente em Maputo. A nova
lida exige muita destreza: “quando se trata de sapato, chinelos e
cintos, pego nessas peças, que vêm já feitas de outro material como cabedal, a
título de exemplo, corto o tecido de capulana numa prancha à medida do objecto
que pretendo transformar. Gasto, no mínimo meio metro para um par de sapato e
um pouco menos para os chinelos e cintos”. Os seus clientes desembolsam de
150 a 350, pelo trabalho feito em chinelos; de 150 a 450 pelos sapatos. “É
um trabalho que exige paciência, revela, mas faço-o com muito
prazer, pois utilizo a capulana que faz parte da minha história como africano”.
Texto de Carol Banze
Fotos de Jerónimo Muianga
Jornal Domingo de Maputo
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