“Anatomia de um
massacre”, é o que retrata o novo livro do historiador de origem moçambicana, Mustafah Dhada, que aborda o massacre e como viviam as pessoas de Wiriamu.
O autor diz que é
"uma oportunidade" para “o povo português” saber o que aconteceu e
para o Estado português reconhecer publicamente o que se passou.
É tão pouco dizer que
Mustafah Dhada é o nome de um historiador nascido em Moçambique e que o
massacre de Wiriamu é o objecto de estudo sobre o qual escreveu um livro que
foi lançado na semana passada no Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra.
Dizer apenas isso esconde
o facto de este professor catedrático de História da California State
University ter passado quase um ano no terreno a reconstituir o massacre de
pelo menos 385 pessoas e de, por causa do trabalho de campo, ter acabado por
ter manifestações de perturbação de stress pós-traumático. Viu-se obrigado a
receber ajuda psicológica e, ainda hoje, lhe custa estar como agora, “sem uma
parede atrás". Diz: "Sinto-me desconfortável, desprotegido. Ou então
quando oiço gritos de crianças e pessoas a chorar. Tenho de me afastar.”
Depois de acabar de
escrever o capítulo onde tentou reconstituir como era a vida das cinco aldeias
afectadas antes do massacre, teve um ataque cardíaco. "O meu cardiologista
aconselhou-me a escrever sobre coisas mais felizes”, diz a sorrir.
Mais de quarenta anos
depois de, em Londres, se ter cruzado com um jovem jornalista inglês, Peter
Pringle, que viria a dar a conhecer ao mundo a história do massacre num artigo
do jornal The Times, concretizou a missão de uma vida – acaba de lançar um
livro que considera ser “razoavelmente definitivo”: The portuguese massacre of
Wiriyamu in colonial Mozambique, 1964-2013 (editado pela Bloomsbury), e que
espera venha a ser traduzido para português.
O prefácio da obra,
lançada na semana passada, é do jornalista inglês, que escreveu o artigo nas
vésperas da visita do então chefe de Governo Marcello Caetano a Londres,
acabando por contribuir para a contestação e queda do regime, afirma. A
história foi inicialmente denunciada por missionários estrangeiros a trabalhar na
área de Wiriamu.
Dhada diz que escreveu
este livro “para o povo português, para os seus políticos”, na esperança de que
se venha a dizer no Parlamento português e a deixar escrito num documento
oficial: Wiriamu existiu, na manhã de 16 de Dezembro de 1972 houve tropas
portuguesas que, a mando do Estado português, mataram pelo menos 385 pessoas
que ele se esforçou por nomear (lista de vítimas em baixo), ficando por
contabilizar os que foram mortos na “limpeza” dos três dias seguintes e durante
os interrogatórios.
A sua investigação de
décadas provou que este não foi “um acto de excesso de poder de alguns
indivíduos, foi feito em obediência a ordens de um regime e do estado
português. Este massacre foi planeado e executado como planeado”. Não pode,
portanto, ser comparado, por exemplo, com um massacre como de My Lai, na guerra
do Vietname, que “não foi autorizado pelas altas esferas militares
[americanas]”.
O professor de História
Mundial e Estudos Africanos, radicado nos Estados Unidos há mais de 20 anos, diz
ainda que, no regime colonial português, Wiriamu pode parecer excepcional no
regime colonial português mas não foi. Antes deste houve outros massacres – em
Moçambique fala do de Mucumbura – depois dele no de Inhambinga, que ele chama
de “o último banho de sangue antes da saída [dos portugueses]. Morreram 200
aldeões, alguns pendurados pelos pés durante os interrogatórios, outros foram
vítimas de tortura”.
Mustafah Dhada, nascido
em Moçambique, soube do massacre de Wiriamu da mesma forma que o resto do mundo,
lendo o The Times de 10 de Julho de 1973. Lembra-se bem, eram 9h30, quando um
colega lhe passou o jornal para as mãos. Tinha 22 anos, estava a estudar em
Londres, tinha saído de Moçambique em 1964 depois de ter sido classificado
pelas autoridades portuguesas como “não assimilado”. De uma família pobre, o
pai era mecânico. No seu país conta que conseguiu estudar da única forma que
havia disponível na Moçambique portuguesa, num seminário católico, onde ele e
um outro rapaz negro eram os únicos não brancos.
Em Londres, onde chegou
apenas a saber falar português e francês, leu o artigo e pensou como a vida em
Wiriamu deveria ser tão parecida com a de Búzi, a sua aldeia, e como Wiriamu
podia ter sido Búzi. À distância, protegido, sentiu culpa e responsabilidade.
Prometeu que se haveria de doutorar na Universidade de Oxford e a sua tese
haveria de ser sobre Wiriamu. Não foi assim. Haveria de fazer a sua tese em
Oxford em 1987 mas seria sobre Amílcar Cabral e a guerra da libertação da
Guiné-Bissau.
jornal notícias de maputo
Uma obra que todos os portugueses deviam ler. Está traduzida para português.
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