Por Eliseu Bento
O Professor catedrático
Armindo Ngunga, actual vice-ministro da Educação e Desenvolvimento Humano,
defendeu que o povo moçambicano existe enquanto tal pelo facto de ser detentor
de suas línguas.
Armindo Ngunga falava há
dias na cidade da Beira, durante o lançamento do livro “Elementos de
Linguística Teórica e Descritiva das Línguas Bantu”, obra na qual participa
como editor.
Na ocasião, o académico
recordou que as línguas moçambicanas sofreram humilhações, algo que foi
aconteceu ao longo de vários séculos, com o sistema colonial então instalado a
recusar reconhecer o valor das línguas nacionais.
“Vivemos muitos anos em
que, de tanto sermos oprimidos, não aceitamos ser livres. A nossa mente e
inconsciente traem-nos e dizem a verdade sobre nós mesmos. As línguas são a
alma colectiva de um povo”, anotou, adiantando que: “Nós existimos como povo,
no caso de Moçambique, mas só o somos porque temos as nossas línguas”.
Bem ao seu estilo,
descontraído, e como que a querer relaxar igualmente a imensa plateia
maioritariamente composta por estudantes das línguas bantu, o Professor
Catedrático afirmou que “quem não fala uma língua nacional não faz campanha
eleitoral. E se o faz não ganha as eleições. E o pior é que quando ganha as
eleições depois divulga os resultados em português”, brincou, perante os
aplausos aprovativos dos presentes.
Armindo Ngunga foi mais
longe, afirmando que: “Vamos desenvolver as nossas línguas que nos dão o voto,
ou as línguas que usamos quando vamos ao médico de que não falamos de dia”.
O Professor recordou que
a língua encerra o conhecimento universal.
Falando mais
particularmente das nossas línguas, Ngunga fez um vigoroso apelo para a sua
investigação e preservação tendo em consideração que há muito conhecimento que
se perde porque os moçambicanos não sabem usar as suas línguas. E mais, elas
não estão documentadas.
Deu o exemplo de uma
criança que antes de ir à escola sabe contar até 30 e sabe mesmo somar e
multiplicar, na língua dos seus pais, mas quando vai a escola formal tem que
começar tudo do zero.
A propósito, fez questão
de sublinhar que a língua é um meio de acesso ao conhecimento.
Um outro reparo feito
por Armindo Ngunga é o de que o conhecimento que temos nas nossas
línguas tem sido passado de pessoa para pessoa, ao longo de várias gerações.
Não se escreve. Ou seja, os moçambicanos não são abertos em relação ao seu
próprio conhecimento.
O académico manifestou
igualmente o seu desacordo perante o tratamento que, em algumas circunstâncias,
tem sido dado a língua portuguesa que é considerada como uma língua
moçambicana.
“Existe a língua
portuguesa e existem as línguas moçambicanas”, defendeu Ngunga, dando como
exemplo o Brasil onde em determinada altura se debateu sobre a existência do
brasileiro como língua.
“Não há brasileiro. Há
língua portuguesa, como há língua portuguesa e há as línguas moçambicanas”,
frisou.
O académico lamentou o
facto de em Moçambique ainda haver muito conhecimento que não está estudado e
sistematizado e que, na sua opinião, podia ser bastante útil no desenvolvimento
do país nas suas mais variadas vertentes.
“O problema também é que
nós vamos a universidade ocidental e depois ensinamos também a ciência
europeia. Mas é verdade que eles não sabem o que nós sabemos, mas nós sabemos o
que eles sabem. Quem disse que a gente não tem ciência?”, interrogou.
UM PAÍS LINGUISTICAMENTE
DEMOCRÁTICO
Na ocasião, o vice-ministro
da Educação e Desenvolvimento Humano dirigiu um seminário nacional sobre as
línguas Bantu, no qual abordou temas como “Metodologia de Ensino Bilingue” e
“Línguas de Sinais”. Participou igualmente em duas cerimónias de graduação de
1090 novos professores primários.
O livro foi apresentado
pelo director da Faculdade de Ciências Sociais e Humanidades da Universidade
Zambeze (UniZambeze), Martins Mapera que nas suas notas introdutórias disse que
este lançamento era também uma espécie de apelo à necessidade de aprendermos e
ensinarmos as línguas moçambicanas.
“Moçambique é um país
rico e linguisticamente democrático”, resumiu o académico.
Fez saber que o livro,
que reputou de “fabuloso”, estava estruturado em seis capítulos compostos por
dissertações de mestrado de oito estudantes sendo que o professor Armindo
Ngunga se encarregou pela sua edição.
Martins Mapera
considerou também que “Elementos de Linguística Teórica e Descritiva das
Línguas Bantu” lançava um apelo sócio-metodológico muito importante num país
multilingue como é o caso de Moçambique.
“O nosso destino comum é
o futuro”, concluiu.
jornal notícias de maputo
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