terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Escritora marfinense lança em Luanda livro sobre massacre do Rwanda

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A escritora marfinense Véronique Tadjo vai lançar no próximo sábado, na União dos Escritores Angolanos (UEA), em Luanda, a sua obra literária intitulada "A sombra de Imana", a ser apresentada pelo ensaísta angolano Luís Kandjimbo.


O livro, uma co-edição da UEA e da Texto Editora, traduzido em português uma sátira ao genocídio ocorrido no Rwanda, de 6 de Abril a 4 de Julho de 1994.

Para Véronique Tadjo, A Sombra de Imana é uma prova da capacidade da literatura em dar um novo olhar sobre o passado e ajudar as pessoas a reaprenderem a viverem juntas e em harmonia”.
A sombra do Imana, que escreveu depois das suas duas estadas na capital rwandesa, Kigali (1998 e 1999), é resultado dessa experiência. A primeira parte fala do contacto com os Rwandeses e da descoberta dos lugares do genocídio. A segunda parte centra-se nas questões relacionadas com a natureza humana, como, por exemplo, a ignorância que manifestamos em relação ao nosso eu: quem somos e o que somos capazes de fazer? Para Tadjo, era importante fazer estas perguntas, porque a barbárie dos massacres, «o Ruanda está em cada um de nós».
O problema étnico é real no continente africano. Tadjo diz que, como escritora, não pode ignorá-lo. Tanto mais porque na raiz da profunda crise que a Costa do Marfim enfrenta está o conceito de «ivoirité». Este termo foi criado pelo antigo presidente costa-marfinense Henri Konan Bédié, em 1995. O sentido que lhe quis dar foi o da identidade cultural comum a todos os que vivem na Costa do Marfim, apelando, especialmente, aos estrangeiros, que representam um terço da população. Mas, posteriormente, frisou-se a questão de quem é da Costa do Marfim e quem não é. Ou seja, quem é costa-marfinense de verdade. E, presentemente, ivoirité está associado à actual guerra civil étnica.
A ideia de legitimidade atribuída aos nacionais e consequente exclusão dos estrangeiros tem fracturado a sociedade da Costa do Marfim. No entanto, o país prosperou em grande parte graças à força de trabalho de imigrantes, oriundos principalmente de Burkina-Faso, Mali e Guiné. Estes instalaram-se e os filhos deles nasceram no território. Então, a questão de identidade e a pergunta «Como podemos viver juntos hoje?» inspiraram Véronique Tadjo a escrever Reine Pokou, concerto pour un sacrifíce, em 2005. Esta obra valeu-lhe, nesse ano, o Grand Prix Littéraire d’Afrique Noire.

Poeta, romancista e autora de livros infanto-juvenis, que ela própria ilustra. Dá vida ao seu sonho de contribuir para o surgimento da literatura africana para as crianças, reinterpretando mitos e lendas e analisa pessoas e acontecimentos de hoje à luz dos heróis antepassados.

Filha de mãe francesa e pai costa-marfinense, Véronique Tadjo, 60 anos, doutorada em Civilização Afro-Americana pela Universidade de Sorbonne, Paris IV, é poeta, romancista e ilustradora. Nasceu em Paris, cresceu na Costa do Marfim, vive na África do Sul.

No seu romance, Loin de mon père («Longe do meu pai»), editado em 2010, aborda o difícil retorno de uma costa-marfinense ao seu país natal por medo do peso da tradição.
Não é uma obra autobiográfica, embora pudesse sê-lo. Véronique Tadjo leva uma vida errante: já passou pela Nigéria, Quénia, Estados Unidos, México e Grã-Bretanha, até que se instalou em Joanesburgo, na África do Sul. Vive longe de Costa do Marfim desde 1993.

Em Loin de mon père, ela conta a história de Nina, uma jovem mulata que decidiu morar em França, o país da sua mãe. Após uma longa ausência, ela retorna à sua terra natal, onde cresceu. Todavia, a Costa do Marfim mudou e Nina acaba por se sentir estrangeira na sua pátria.

Por outro lado, em Reine Pokou, a escritora analisa igualmente a natureza do poder e da violência. O sacrifício de Pokou poderia ser comparado ao das mulheres a quem é pedido, tantas vezes, que «sacrifiquem» os seus filhos, enviando-os para a guerra em nome de uma «causa justa». Hoje, Tadjo interroga-se se as crianças-soldados não são uma ilustração contemporânea desse sacrifício.

Segundo a lenda, a rainha Pokou foi obrigada a fugir do grande reino ashanti (no actual Gana) após uma guerra de sucessão. Quando, na fuga, ela e o seu séquito tiveram de interromper a marcha ao depararem com um rio grande, o Comoé, os adivinhos pediram a Pokou que lançasse o seu filho às águas, a fim de salvar o seu povo. E foi isso o que ela fez. As águas separaram-se e a comitiva pôde avançar. Mais tarde, Pokou fundou o reino baulé (termo que deriva de «baouli», que significa «o menino morreu»).

Historicamente, os antepassados dos Baulé têm raízes para lá das fronteiras da Costa do Marfim, contudo, eles são reconhecidos como os costa-marfinenses por excelência. Isso leva a relativizar a ideia de pertença étnica. Comenta Tadjo: «A personagem da rainha Pokou suscitou-me várias perguntas: será Pokou uma heroína ou uma mulher disposta a fazer qualquer coisa para conseguir o poder?» E acrescenta: «Pokou fez-me pensar sobre quem são os nossos heróis e se eles merecem sempre o estatuto de herói. É uma pergunta que continuo a fazer no novo romance que estou a escrever, mas esta história foca mais o tema da transformação pessoal.»

Tadjo encontra uma grande liberdade de expressão na literatura infanto-juvenil. Nos seus dez livros para crianças, foca temas que o público adulto pode encontrar nos seus romances e poemas. Simplesmente, trata-os de outro ângulo. Por exemplo, no livro Ayanda, la petite fille qui ne voulait pás grandir (2007) fala da guerra e da dificuldade de superar a perda de alguém a quem se quer como a um pai. Ayanda recupera a alegria de viver apenas indo ao encontro dos outros. E a obra mais recente é Mandela, non à l’apartheid.

A própria Tadjo ilustra a maior parte dos seus textos, porque acredita que isso lhe permite criar um universo coerente. O desenho torna-se outra forma de escrita, mais directa, mais física. As imagens são, em si mesmas, independentes. Doam algo.
O seu segundo livro, Mamy Wata et le monstre, ganhou o Prémio UNICEF em 1993.

angop, além-mar

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