segunda-feira, 6 de julho de 2015

"O meu sonho é que o próximo Presidente seja mulher" - Paulina Chiziane


Conhecida pela obra literária que exalta a cultura tradicional moçambicana, Paulina Chiziane reclama o espaço devido à mulher e uma intervenção efectiva dos intelectuais na resolução dos problemas que afligem a nação.
Quem era Paulina Chiziane no ano da proclamação da Independência Nacional?
Era uma jovem que preparava o enxoval esperando pelo noivo para casar, porque, nesse tempo, as mulheres eram assim - não podiam sonhar muito com outras coisas. Lembro-me de uma colcha de croché que comecei a fazer, e a minha irmã mais velha até se zangou, porque eu nunca mais acabava. Mas preferia ler, mas as mulheres do meu tempo não precisavam de ler; precisavam de saber fazer croché... as mulheres eram preparadas para ficar fechadas na cozinha e dentro da casa. Então, quando se dá a Independência Nacional, ou pouco depois, foi quase que uma explosão interior, como quem diz “existe um outro mundo para além deste mundo pequeno em que vivemos no tempo colonial”.
Que sonhos tinha para Moçambique quando se proclamou a Independência?
Não vou mentir, acho que não tinha nenhum... ou melhor, tinha: imaginava um mundo em que todos fossem iguais. O discurso político também era esse: igualdade, igualdade, etc., então, acho que imaginava um paraíso. Não sabia exactamente o que era a Independência, e também não havia informações sobre o que era um país independente. Aprendemos a saber o que era a Independência com a Independência.
Havia desconhecimento do que a Independência podia trazer ao povo moçambicano?
Exactamente. Mas o que se imaginava é que havia de ser um mundo bom, maravilhoso, em que seríamos todos iguais, todos a comer feijão, todos a andar a pé... Na imaginação, e para as pessoas que me rodeavam, tínhamos um mundo perfeito.
Como descreve Moçambique, numa perspectiva social e cultural, nos primeiros anos de Independência Nacional?
Tenho saudades desse tempo, o mais belo da História desta humanidade chamada Moçambique, porque acreditávamos nesse mundo ideal. olhávamo-nos como irmãos, a solidariedade era maior, íamos para as ruas marchar no 1.˚ de Maio e a 7 de Abril... enfim, aquele grito de liberdade como quem diz “há um mundo novo que está a abrir-se”. Estas atitudes atrevidas aprendi-as na altura: sair pela janela para ir à rua gritar “Viva a Independência”, sem saber o que fazia; desafiar os pais com o sonho de fazer algo que ainda estava por vir. Foi uma altura que marcou esta força e personalidade que hoje tenho, o momento de transição de uma situação para outra com os seus problemas, os seus conflitos, e ter que gerir e aprender uma vida nova. Há muitos jovens que crescem sem passar por uma turbulência e, quando ficam adultos, tornam-se pessoas pacatas, sem essa vontade de desafiar para construir alguma coisa. Naquele momento, o que me movia para as ruas era a fé num mundo melhor que não sabia o que era e desafiava tudo e todos para construir esse ideal.
Quais foram as grandes lições dessa turbulência?
Várias. Para se poder construir é preciso sonhar, e esse momento de sonho trouxe muitas realizações. Lembro-me de estar com um grupo de jovens da Matola, gente do chão, e cada um fez alguma coisa de bom para a comunidade, para a sociedade, para o país. todos venceram na vida! Essa vontade de criar fez de nós pessoas que lutaram e chegaram a algum lugar.
O sistema colonial oprimia as manifestações da cultura moçambicana. Com a Independência, conseguimos resgatar os nossos valores culturais?
O colonialismo, em África e em Moçambique, tem mais de cinco séculos. O ser moçambicano, o ser negro, a identidade do ser africano vem sendo destruída há 500 anos. Hoje, fazemos 40 anos, e quarenta fará o meu filho no próximo ano. Esta Independência ainda é criança. Portanto, precisamos de séculos de luta para fazer com que haja uma identidade de facto, uma Independência efectiva, uma estabilidade. Vivi o tempo colonial e a grande repressão que vivi de forma directa foi a do racismo nas escolas secundárias e as grandes proibições: não se podia falar a língua, tinha que se afastar das tradições, faziam de nós outra coisa que não somos. Mais: numa infância mais distante, lembro-me de ver homens a serem capturados na rua para serem levados para São Tomé. É uma daquelas dores profundas que tenho - eu devia ter oito, 10 anos, ía pela rua, passava um carro com os polícias coloniais, prendiam gente a torto e a direito e metiam-nas nos barcos para nunca mais voltar. Sinceramente, não há coisa mais bela do que a liberdade, do que a independência. A repressão era horrível.
Década e meia depois, Paulina Chiziane casa-se com a escrita e desafia a tradição oral, passando a contar as nossas histórias através da escrita. Por que decide ser escritora e eternizar as nossas histórias em livro?
Há várias razões. A escrita tem algo a ver com o indivíduo... Ou melhor, a arte é a essência de qualquer ser humano e eu, como humana, trago a arte dentro de mim. Nos meus 12, 13, 14 anos, tinha grandes sonhos e o primeiro era pintar, fazia grandes pinturas. O pouco papel que o meu pai podia dar, gastava-o a desenhar, e isso foi reprimido. O sonho da pintura morreu assim. Mas, ao mesmo tempo, gostava de cantarolar na igreja e cantigas de roda, recordo-me de compor algumas. Mas o sonho de cantar também tinha de morrer, porque mulher não pode cantar, só na cozinha ou na igreja. fora destes dois mundos, não se pode realizar, porque é mulher. Então, pega num caderno e faz de conta que está a estudar, enquanto está a escrever poemas... e torno-me escritora porque não podia ser pintora nem cantora. Quando o “velho” descobriu que eu gastava os cadernos todos em confusão e não a estudar, levei muita sova, mas já era tarde, e afirmei-me assim mesmo.
Desafiou as portas que se fechavam no ambiente familiar...
Se tivesse nascido independente, não teria levado tanto tempo para publicar um livro, porque dentro de mim fervilham muitas histórias, a minha cabeça tem muita confusão. Mesmo quando era miúda. agora que estou a ficar velha, está a ficar pior...
Crimildo Baule diz que Paulina inicia as obras com provérbios para moralizar os homens e que estes, ao lê-los, tomam consciência de que a subordinação os empobrece, pois masculinidade não é superioridade. Como descreve as relações de género em Moçambique?
Não gosto da palavra, por causa das mil interpretações que se atribuem às relações de género, tal como à palavra feminismo. Sou de Gaza, região patriarcal por excelência. Ali, mulher não é nada. Vivi a repressão do sistema colonial e vivi um sistema patriarcal, que é outra forma de repressão. Na minha tradição chope, vizinha da changana, a mulher não tem terra, não tem direitos nenhuns. Cresci com esta mágoa. Não eram os meus pais, era mais o mundo que me rodeava. sentada ao lado dos meus irmãos, sentia esta diferença de trato: filhos eram os homens; as mulheres eram filhas passageiras. Um dia, casei-me. Quando cheguei à casa do homem, também não era a minha casa... era estrangeira no ventre onde nasci, estrangeira para onde fui. onde fica, então, o meu lugar? Onde pertenço? O sistema patriarcal do colonialismo mais o da tradição eram uma repressão terrível para as mulheres. Quando vem a Independência, com a expressão “libertação e emancipação da mulher”, foi algo novo, com os discursos que falavam da emancipação da mulher, de um mundo que ainda há de vir.
Liberdade, no que respeita à mulher, em que se traduzia?
Quando uma pessoa acredita numa coisa boa - a liberdade que há de vir, mesmo que não saiba de onde -, ganha energia e parte para a aventura. Foi o que aconteceu. o que era emancipação não interessa. Aquilo era chegar à reunião e “Viva a Frelimo, viva! Viva a emancipação da mulher, viva!”. Ficávamos horas e horas, e as donas de casa iam para casa e levavam sovas dos maridos, porque falavam da emancipação da mulher e não sabiam o que era. Do discurso, foi-se à pratica. o ponto de partida, a fé, a crença no mundo melhor, porque, como mulher, tínhamos o sistema tradicional, o sistema colonial, e quando alguém vem e diz “podes ser livre”, a gente pára e diz “a gente não é livre”, não interessa não saber o que é a liberdade, vai saber depois, vai-se andando.
Qual deve ser o lugar da mulher na sociedade?
A mulher esteve sempre no seu lugar. os outros é que não o reconhecem. A mulher que é filha está na sua família, e é a família que deve reconhecer o lugar desta criança, mas a família e a tradição enxotam-na, tal como no casamento. Assim, a mulher esteve sempre no seu lugar, os outros é que não o reconhecem e, ainda por cima, reprimem esta mulher que está a desempenhar o seu papel. Depois, na região sul, ainda hoje os homens estão sempre a imigrar para África do Sul, como os jovens têm de ir à tropa, quem fica em casa a tomar conta da família é a mulher. Portanto, na região sul, quem preserva os valores que reprimem a mulher são outras mulheres, mais velhas, que se tornam ainda mais machistas do que os próprios homens.
Nestes 40 anos, houve transformação deste pensamento?
Houve. Dá-me prazer ir a distritos como Guijá, Manjacaze, e encontrar uma avó que diz “estou a vender amendoim para comprar cadernos para a minha filha”. Só isso é sinal de mudança, porque nesse tempo era “a minha neta ou as meninas desta casa devem aprender a pilar, a lavar e a esfregar, para um dia casarem”. Houve mudanças e muitas significativas. Mas, claro, 40 anos é muito pouco, temos de caminhar para ir muito mais longe.

E como viu o papel do Governo neste processo de fazer com que a mulher assumisse novo papel e fosse vista de forma diferente?
Não gosto de falar de governos, prefiro falar do movimento social na altura da Independência, altura de discursos - “libertação da mulher, desenvolvimento” - que começaram a acender novas luzes nas consciências. Mas a saída de uma situação de repressão para uma situação de liberdade trouxe conflitos, principalmente para as mulheres: entendiam que havia emancipação, mas não sabiam exactamente o que era. E, aos poucos, o próprio Governo começou a organizar grandes programas destinados à mulher. A gente, quando olha para os programas da Saúde, da Educação, vê que a situação da mulher em Moçambique, seja na política ou no mundo cultural, mudou muito. Há países que se dizem desenvolvidos, até da Europa, que não conseguem ter leis tão boas. e mesmo no continente africano, há países em que os salários do homem e da mulher são diferentes. Em Moçambique, felizmente, já não temos isso. Então, embora não goste de coisas de Governo, tenho de dizer parabéns. Já tivemos uma primeira-ministra, quem diria?!?. O meu sonho é que o próximo Presidente seja uma mulher.
Vendo os espaços que já conquistou e os espaços que tem de preservar no campo doméstico, quais são ainda os desafios da mulher moçambicana?
O grande desafio é a própria mulher. Porque, às vezes, por querermos sair da cozinha, acabamos por querer ser iguais aos homens. Ora, isso também não dá. uma mulher tem que ser ela própria, ser reconhecida e respeitada (e fazer-se respeitar)como mulher.
O que é ser mulher?
É sermos o que já somos: mães, educadoras, companheiras, empregadas ou subordinadas; aquela que participa na construção de uma sociedade.
As suas obras baseiam-se na tradição e costumes (niketche é uma história de poligamia). noutras, testemunha-se a libertação do intimismo feminino. Como relaciona a liberdade da mulher e a da sociedade?
Há um preconceito: o homem tem que mandar, tem que controlar para se sentir mais homem. mas, nos dias que correm, as mulheres fazem “xitiques”, fazem negócio, vão à procura de emprego e trazem bom salário. Então, os homens de hoje têm muito mais dinheiro para a cervejinha do que antigamente, e sabem que, algumas vezes, podem beber a mais porque as mulheres têm salário e os filhos não vão passar fome. Infelizmente, as nossas liberdades, por vezes, trazem problemas. há homens que se tornaram polígamos porque a mulher conseguiu bom salário que ele, com esse dinheiro, acha que pode ter mais uma... Os homens são mais livres quando a mulher também o é.
Sente que a nossa tradição e os valores culturais estão ao serviço do desenvolvimento?
Esse é um debate muito grande. Porque há muitos preconceitos  sobre aquilo que é tradição. Os africanos, quando olham para a própria tradição, por causa da mentalidade colonial, vêem um inferno: tudo é negativo! No moderno, vêem o paraíso. Mas é mentira! O mundo moderno tem o seu inferno - o terrorismo, a intolerância religiosa, etc., e os africanos pagam por isso. Portanto, não gosto de quem diz que a vida moderna é que é. As nossas tradições têm lado bom e mau. Um exemplo: quando declarámos a Independência, as tradições foram consideradas retrógradas e perseguidas, houve grande combate aos ritos de iniciação, com curandeiros presos e humilhados em todo o país. Que grande erro! Hoje, descobrimos que os ritos de iniciação têm lado bom e mau: é nos ritos que a mulher aprende a ser mulher - claro que o casamento prematuro é negativo, mas o aprender o corpo e aprender a ser mulher, aprender a agradar e a agradar-se não faz mal a ninguém. Quiseram eliminar tudo só porque é tradicional! Então, ainda não tivemos tempo para nos libertarmos mentalmente. Para mim, a independência que temos ainda é só política, temos muito que caminhar (talvez mais 400 anos) para reconhecer e valorizar o bom da tradição.
A cultura está a ser chamada ao nosso desenvolvimento?
De certa maneira, a cultura ainda faz parte do discurso político e social, mas é preciso dar passos concretos para que contribua mais para termos a nossa própria identidade. Como escritora, passei por situações incríveis. Saio do nada, quero entrar para o mundo da literatura e a primeira que coisa que me dizem é “o teu português não é bom, tens que escrever bem”. Mas porque tenho que escrever bom português, se não sou portuguesa e estou a aprender português. por que exigem o que jamais poderei ser? “Ahh... Paulina! Os teus livros só falam de mitos e histórias de gente do campo, devias escrever outra coisa...”. Foi uma luta terrível! Os meus livros não começaram a ser reconhecidos em Moçambique. Não! os moçambicanos submeteram-se porque, atrevida que sou, fui desafiando, publicando aqui e ali, até que as pessoas começaram a ver que, afinal, para se ser escritor não é preciso falar como outro, mas sim como o próprio moçambicano, vincando a identidade. Foi uma luta muito grande e, felizmente, as pessoas já aceitam os meus livros com os seus provérbios. até escrever provérbios era problema para algumas cabeças assimiladas. Daí que independentes somos, mas ainda cheios de preconceitos.
E de que precisam os moçambicanos para se livrar dos problemas que impedem o desenvolvimento social e cultural?
A cultura é a base, o reconhecimento de quem eu sou. a Paulina, aquela mulher que nasceu em Manjacaze e cresceu no subúrbio, que tem a língua materna x, que é filha deste país e pertence ao mundo. Muitas vezes, o que faz com que o ser não avance é o pensar que “não falo bem português”, “não sou capaz porque a minha pele é mais  escura”, “não venho de um estrato social assim, assim”. O padrão do colonialismo, às vezes, cria obstáculos para que a pessoa avance. Uma vez, estava numa conferência na Alemanha, com super-doutores de muitos países, incluindo de Moçambique e Portugal, que foram apresentar aquelas lindíssimas comunicações e falavam muito bem português. Quando chego, perguntam: “O que vem cá fazer a Paulina? Nem tem formação superior...”. E, de repente, uma criança alemã (devia ter uns oito anos) levantou-se no meio da conferência e gritou: “Conte-me uma história africana”. Os doutoríssimos todos olharam-se e descobriram que eles têm conhecimento, mas a história africana sou eu! Levantei-me e contei a história. quando termino, a sala devia ter, sem exagero, mil pessoas a aplaudir, e a história foi a marca de toda a conferência. Foi aí que aprendi: se queres ser alguém e caminhar, aceita como és - gorda, magra, escura, changana, macua, rica... - e vai: liberta-te dos preconceitos. Foi assim que venci e aqui estou.
A obra “Sétimo juramento” é uma viagem a um mundo cheio de emoções e aborda a feitiçaria com frontalidade. Como pode este tipo de crença acrescentar valor à sociedade?
No “Sétimo juramento” há várias crenças, mitos que encontro, por exemplo, na Bíblia Sagrada. mas quando o povo fala, é obscuro, é esta a diferença, porque a base é a mesma. A sociedade precisa de mitos (todas precisam de mitos) mas a minha grande questão é esta: por que acreditar na feitiçaria? Eu descrevo a crença na feitiçaria não por acreditar que há ou não feiticeiros, mas porque esta crença faz vítimas. Há muita gente que morre acusada de o ser.
No “Sétimo juramento” há muitas mortes...
Exactamente. No quotidiano, na televisão, a gente vê matarem uma velha porque era feiticeira... E, depois, os ditos eruditos têm medo de falar destas verdades. Mas é preciso falar da feitiçaria, sim, entender a dimensão desta crença, deste mito, e aos poucos começar a desmantelá-lo. O ser humano precisa de mitos para viver. quando o mito vem do estrangeiro, é sagrado; quando vem do africano, é diabólico. Não estou de acordo com isso. Com as forças que tiver, vou lutar para fazer perceber que uma crença é uma crença e não a raça nem o país de onde vem. O mundo moderno também está cheio de mitos extremamente negativos. quando ligamos a televisão, vemos que um louco foi matar 200 estudantes num lugar qualquer porque acha que é sagrado. Isso são mitos negativos da Modernidade...
Quando a organização social de uma sociedade assenta na magia ou na feitiçaria, como pode o Governo, com recurso ao conhecimento ocidental, lidar com os problemas dessa comunidade?
Não há nenhuma sociedade que se baseie na crença. Falei de mitos. a crença na feitiçaria pode ser mito e a crença no Espírito Santo também. Há um trabalho profundo a fazer, não só do Governo. Os intelectuais, seja quem for, ao serviço de uma instituição ou como indivíduo, os grupos sociais é que são chamados a fazer a transformação positiva. A gente tem que se organizar e educar a sociedade para sair da dependência desses mitos. O trabalho de transformação das mentalidades é da responsabilidade dos intelectuais. Não esses, com corpo de preto e cabeça de branco, porque o nosso país está cheio disso. mas sim um intelectual que assuma a sua cultura como algo a preservar, combatendo o que está errado. Quando digo que a independência é criança, é neste aspecto. Estamos preocupados em ser vistosos, bonitos, ter dinheiro no banco, mas pensar na construção da nossa sociedade e na solidificação de valores bons ainda não faz parte de nós. E a maior parte das instituições académicas faz bem o seu trabalho, mas, quando fala da identidade e da cultura, fala do mussiro, da matapa e da capulana, como se isso fosse a essência de um povo. não é! O intelectual é aquele que deve trabalhar, construir, despertar e fazer com que as pessoas sejam cada vez melhores. Espera-se tudo do Governo, e a sociedade, para que serve? Nunca vi tantas universidades como hoje. em 1975 só tinha uma; doutor preto só conhecia um, mas, hoje, tudo é doutor! Mas esse doutor serve? Qual é o trabalho que faz? Senta na cadeira, no ar-condicionado, à espera que o Governo resolva? A sociedade tem que trabalhar, sim.
Diz que “a obsessão pelos mortos é característica dos que temem a luta pela vida”, e diz também “não responsabilizemos os mortos pelos fracassos dos vivos”. Como é percebida esta mensagem, tendo em conta a confusão que se cria em relação ao que escreve e ao que pretende transmitir?
É preciso fazer entender a sociedade que os mortos também tiveram as suas batalhas, que é preciso lutar e não ficar à espera que um morto venha resolver os problemas. Conheço muita gente que vai à igreja todos os dias rezar para ser abençoada e para acordar aqueles santos. não vai à machamba (lavra), não vai trabalhar. Quando se fala nos mortos, pensa-se nos pretos; aquele que vai à igreja ajoelhar à santa, não! Deixa a santa descansar e vai trabalhar, malandro! Só isso.
Que análise faz deste clima de instabilidade política que o país está a viver?
A minha avó contava-me histórias do tempo em que era mais jovem. No tempo de Tchaka sofremos, no tempo de Ngungunhana sofremos, resistimos e vencemos. No tempo colonial também sofremos e, neste conflito, venceremos, nós, o povo soberano. Os políticos são efémeros, entram e saem. o povo é eterno, por isso, venceremos.
Que ventos do apocalipse o país precisa para vencer?
Precisa de paz! Para se ter democracia é preciso matar? Para quê? Mesmo que morramos como pessoa, como povo sobreviveremos.
A paz e o amor são realidades algo inexistentes nas suas obras. Isso reflecte o universo do país nesses 40 anos de Independência?
Os meus livros são uma espécie de negociação de uma nova identidade, seja de moçambicano, de feminina, cultural e étnica, é por isso que há muitos conflitos. Até a gente serenar e sentir-se bem, é preciso passar por turbulências. A identidade é algo muito forte, é aquilo que nos dá substância para ficarmos livres. Por isso, a luta continua.
Para terminar, um provérbio para os nossos leitores...

Tenho um que gosto muito que e diz assim: “Se não sabes quem és, se não sabes onde ir, pára, olha para trás e aprende a lição dos teus antepassados”.

o país 

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