segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Os Mushimbas e a preservação da identidade

Fabiana Hitalukua, ANGOP

 
Donos de uma rica cultura e cheios de tradições, os Mushimbas assentam os hábitos num sistema duplo ou bilateral de descendência, no qual cada pessoa pertence ao mesmo tempo a dois clãs (matrilinear e patrilinear), sendo que os grupos filiados no lado materno são chamados “Omaanda” e os paternos “Otuzo”.
Características corporais
Os Mushimbas são indivíduos que utilizam a pintura corporal de tom avermelhado, obtida a partir da raspagem de pedras de óxido de ferro, da qual tiram o pó e, para aderência no corpo, usam manteiga produzida do leite de vaca, dando-lhes o cheiro e cor característicos.
O tipo humano dos mushimbas revela traços que provam a sua interligação com os povos Cushiticos, através de algumas notórias características, nomeadamente a coloração da pele, influência linguística, traços faciais finos, hábitos de vida e de comportamento, e grande semelhança de costumes e tradições.
Localização geográfica
Habitam actualmente as regiões do sudoeste de África, como Angola, Namíbia e Botswana, e em Angola estão localizados no município do Curoca, entre as províncias do Cunene e Namibe. Apesar de distintos, são conhecidos pela preservação da cultura e sua riqueza, razão pela qual são considerados o grupo mais rico do município.
Poder administrativo
No poder governativo, o chefe é escolhido através de aposta das decisões políticas e é acompanhado por um grupo de conselheiros, representando diferentes sectores, mas que deve evitar o personalismo e o egocentrismo, praticando a economia familiar voltada para o colectivo. Já no ramo da justiça, as infracções são resolvidas em colectivo, onde são aplicadas multas pesadas com o pagamento de gado bovino.
Hábitos e costumes dos mushimbas: corte do cabelo
A cultura dos mushimbas resiste à civilização do penteado de uma trança, chamada "ndombi” para os rapazes, que simboliza o estado solteiro.
Segundo o ritual, o rapaz depois de ter sido circuncidado começa a criar cabelo até fazer trança. Essa trança é desfeita quando estiver prestes a contrair o matrimónio.
Para tal, a tradição atribui uma importância essencial ao costume do penteado, embora haja grande variedade de formas e de estilos, de apresentação dos cabelos e dos penteados.
Em geral, seguem os qualificativos de género (cortes e penteados infantis, femininos e masculinos), idade (segundo ritos de passagem da infância, puberdade, vida adulta) e de acordo com determinado papel social, em que desempenha uma função identitária.
Os meninos Chimba ou Muhimba, tradicionalmente aos 9 ou 14 anos, utilizam trança única que, em geral, é desfeita por um especialista assim que atingem 20 e 25 anos, altura em que ela é repartida em duas tranças (semelhante aos chifres do boi).
O cabelo do adolescente é untado pelo seu pai com manteiga e bosta de boi no ritual de passagem, indicando-lhe em voz alta que agora está apto para “tomar uma mulher”.
Porém, na chegada desse período, o cabelo é raspado e seis meses depois, aproximadamente, é-lhe feito outro penteado “pequena trunfa”, no qual se aplica uma unção com manteiga e folhas aromáticas. Recebe adornos e colares e fica, por fim, recluso por três dias, para possibilitar a passagem à vida adulta.
Mutilação dentária
No caso da mutilação dentária, é praticada em jovens de ambos os sexos em torno dos 13 anos de idade. A operação dentária é feita com um machadinho e retira-se os incisivos inferiores (como os Humbe, que retiravam os quatro dentes incisivos inferiores) e, tradicionalmente, esta prática está relacionada com o culto aos antepassados.
Cerimónia de circuncisão
Outro ritual para o sexo masculino prende-se com a festa da circuncisão, considerada tradição fundamental, pois o respeito social, a consideração a um homem e até o futuro casamento dele dependem desse ritual. Essencialmente, a circuncisão dos meninos pode ser levada a cabo a partir dos sete meses de idade até cerca de 12 anos, mas nunca depois dos 18, pois aquele que não se submeter à prática é considerado marginal.
As características principais da cerimónia de circuncisão dos Muhimba decorrem ainda hoje numa festa de final de ano. Os jovens candidatos á circuncisão colocam-se sobre pedras chamadas Coluo, nas quais se faz reverência aos antepassados. Diz-se na ocasião que a circuncisão será feita fora da aldeia (é um tabu fazê-la nas cercarias de dentro).
A criança é então levada para fora e faz-se um pequeno corte ao redor da pele que cobre a glande do pênis (o prepúcio), deixando-a descoberta.
Casamento
A relação matrimonial da tribo Mushimba é do estilo polígamo, podendo o homem ter três ou mais esposas, dependendo da sua situação financeira, na qual quem negocia a primeira noiva é o pai do rapaz, que pode muito bem ser uma criança de 5 anos, e a medida que a menina vai crescendo é sensibilizada de que já está comprometida até ao dia em que assume o papel de esposa. Já na segunda ou terceira mulher, quem deve negociar a escolha é a primeira esposa.
O filho não deve negar a oferta do pai, pois, segundo os hábitos e costumes. o noivo nunca mais poderá vir a se casar.
Outro mito tem a ver com o tratamento entre esposo (a) e filhos, pois pelos costumes não se pode chamar pelo nome próprio, bem como a mulher também não pode tratar o marido pelo seu nome, mas são chamados apenas pelo grau de parentesco (o pai chama filho e a mulher chama marido) e se chamar pelo nome tem um significado ofensivo.
Quanto à fidelidade conjugal, os mushimbas preservam ainda a cultura antiga, na qual quando um amigo visita outro, o dono da casa cede uma das suas esposas ao visitante para lhe fazer companhia durante a noite; um gesto que se espera ser retribuído.
Os costumes indicam que os homens das etnias mushimbas não devem entrar em sua própria casa depois das 19 horas. O homem é obrigado a passar a noite na casa de um amigo ou familiar e na manhã do dia seguinte quando for para casa tem de anunciar a chegada para dar espaço de manobra ao amante.
Ritos de óbito
Falando do ritual de morte, a tradição dos mushimbas indica que quando morre o chefe de família tem que se matar vinte ou mais cabeças de gado bovino, dependendo da situação económica, cuja carne não é consumida, mas sim levada até ao cemitério e posta ao ar livre, enquanto os chifres são colocados em volta de um tronco de árvore, símbolo de alguém que foi rico e possuidor de gado. Esta carne é posteriormente furtada pelos povos Vátuas (considerada a tribo dos pobres e que não pode ser sepultado neste cemitério).
Em caso de morte de um filho do sexo masculino procede-se da mesma forma, só que a trasladação do corpo é feita pelos tios mais velhos, que invocam os antecessores ao entrar no cemitério, com uma palavra-chave: “Ontueya”, que significa “chegamos e estamos a trazer o filho de alguém que morreu”.
Depois, são retiradas folhas de uma árvore (omufiaity), como sinal de permissão para entrar no local para realização do funeral, um acto que se for violado origina inflamação dos membros inferiores das pessoas.
Já na morte de uma mulher não se deve proceder o ritual da matança de gado, mesmo que ela possua gado. O boi não é considerado dela, mas sim da família.
Integração actual dos povos
Segundo o soba grande da etnia Mushimba no Curoca, Baptista Kamukuva, actualmente existe tendência para a aculturação da comunidade, uma vez que hoje se verifica o uso de tecidos por parte de alguns jovens, bem como os doentes já recorrem às unidades hospitalares, ao contrário da anterior prática em que os doentes eram acamados por baixo de árvores e os enfermeiros se dirigiam ao encontro deles para o tratamento.

Por outro lado, disse, os jovens que vão trabalhar nas cidades acabam por “se render” a outros modelos de civilização.

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