Não há dúvidas que a
timbila é uma das manifestações culturais mais representativas do mosaico moçambicano.
E todos os anos os grupos de marimbeiros fazem questão de demonstrá-lo, com a
realização do seu festival: o M´saho.
Mas, o que nos agrada
nesta festa é perceber que os mais velhos têm estado a dar lugar aos mais
novos, ensinando-lhes a tocar e a dançar. Com mestria. Em todos os grupos que
por lá desfilaram vimos isso. Jovens estão lá presentes. Como instrumentistas e
bailarinos. E fazem-no com um nível de precisão extraordinário que agrada a
qualquer um.
Este ano foi assim
mesmo. O Miradouro de Quissico esteve repleto de gente que foi assistir ao
M´saho. Foram dois dias de um festival que tem por finalidade celebrar a
timbila. Esta que é uma das manifestações culturais que, pela sua vitalidade,
se tornou num dos elementos de identidade de Zavala, da província de Inhambane
e do mundo ao ter sido proclamada património cultural da humanidade.
E a natureza desta
manifestação cultural, representada em M´saho, portanto, festa da timbila,
permitem a sua divulgação para as gerações mais novas e também para o mundo.
Quem não fica satisfeito
ao ver o grupo Timbila ta Mwane, composto na sua maioria por adolescentes, a
executar passos de dança ao ritmo do som destilado também por um naipe cruzado
por jovens e velhos marimbeiros que tocam e dançam alegremente?
Este foi o primeiro
grupo a subir ao palco, depois da execução do Hino Nacional e do Hino da
AMIZAVA (Associação dos Amigos e Naturais de Zavala). E este é um grupo muito
forte. E a sua escolha iniciar a festa tinha em vista quebrar a monotonia
criada pelos longos e fastidiosos discursos de praxe. Foi uma belíssima
escolha.
Mas, depois vimos
sucessivamente o grupo Timbila ta Chihoze, que destila, das suas teclas de
timbila, um som completamente diferente. Mais leve. E também compõem a
orquestra um grupo de jovens.
Depois, para variar,
foram chamar Ngalanga de Manjacaze. Que perfeita execução de passos. Forte.
Muito forte demais. Quando executavam a sua estonteante coreografia, a plateia
levantou-se e jubilou. Tal como fez também quando subiu ao palco o grupo
Ngalanga de Chitondo Norte. Foram moedas e notas de vinte meticais a serem
atiradas ao palco como demonstração de rendição pelo perfeito espectáculo que
estes exibiam.
Vimos ainda Timbila de
Mazivela que, igualmente, nos animou com esta tendência de ter, no seu seio,
jovens e adolescentes.
Quando subiu ao palco a
orquestra Timbila de Canda, o público já estava extasiado e de pé. Vibrando
completamente. Perfeito espectáculo.
Timbila ta Venâncio: com
o mesmo vigor do Mestre
No ano em que se
celebram 10 anos de elevação da timbila à categoria de património cultural da
humanidade, um dos principais obreiros deste feito não estava lá: o Mestre
Venâncio Mbande. Triste sina a dos Homens de garbo que têm que partir em
definitivo. Mas nos bafejamos por saber que ele, diferentemente dos outros,
deixou um legado, ao passar testemunho a uma legião de jovens marimbeiros da
sua prole. Ou seja, não é com a partida dele que a timbila irá soçobrar.
Afinal, o grupo que ele criou, Timbila ta Venâncio Mbande, continua a existir.
Composto pelos filhos e netos e outros membros da sua família, a orquestra
Timbila ta Venâncio Mbande continua a tocar com o mesmo vigor e o mesmo
entusiasmo dos tempos do mestre.
E a orquestra estava lá.
Mesmo de luto. E envergavam camisetes e bonés de cor preta. Com riscas brancas.
E os dizeres que vão, para sempre, nos recordar que o mestre existe e é para
sempre. Até porque, tal como estava escrito atrás das suas camisetes: “Timbila
ta Venâncio ta mpatano” ou seja: “A Timbila de Venâncio é de unidade”.
E eles estavam lá.
Tocaram e encantaram o público que abarrotava o miradouro e aplaudiu com emoção
a prestação destes jovens.
O mestre partiu em
definitivo, mas aqui está o produto do seu trabalho. E dá gosto vê-los a
continuar a obra do seu pai e mestre. E hoje sob orientação de Horâcio Venâncio
Mbande e tendo como solista Domingos Martins Venâncio Mbande, de 19 anos, e nas
coreografias Zelinha Mbande. Todos filhos do mestre. E aqui arriscamos a dizer
que o jovem Domingos Mbande é um dos melhores solistas de actualidade. A forma
tão forte e vibrante como toca a timbila demonstra o seu alto nível de
assimilação do toque do pai. Mas, também ele toca desde os seus tenros oito
anos.
E depois, também
compreendemos as lágrimas de Zelinha Venâncio Mbande, quando, os irmãos subiram
ao palco para se juntar a orquestra de M´kwayo, que é a selecção dos melhores
marimbeiros existentes no distrito de Zavala para tocar o Hino Nacional e o
Hino de Amizava.
Tomada de emoção,
Zelinha chorou ao ver os irmãos a tocarem, com entusiasmo. Com a mesma genica e
a mesma força. E quem está no lugar do Mestre é o filho Domingos. Um solista
que tem o mesmo veneno do velho Mbande.
2016: M´saho para
Venâncio
“Nós como Governo do
distrito de Zavala estamos a idealizar para 2016, a organização de um grandioso
festival de timbila, onde contaremos com a presença de todas as orquestras de
timbila do distrito. Mas também teremos convidados de outros pontos da província
de Inhambane e igualmente outros grupos amigos de dentro e fora do país”. Assim
se pronunciou Adriano Zacarias, director distrital de Educação e Cultura,
quando questionado pela nossa Reportagem sobre os projectos de futuro para
perpetuar o nome do Mestre Venâncio Mbande.
Ele explicou que, a
ideia de escolher 2016 é justamente para fazer coincidir a passagem do primeiro
ano do desaparecimento físico do mestre. E, para além do M´saho, haverá
palestras subordinadas a vida e obra de Mbande.
Igualmente, será
organizada uma expedição até Guilundo, terra natal do mestre, onde haverá
também uma grandiosa festa traduzida na timbila.
Adriano Zacarias
deu ainda a conhecer que, para perpetuar a obra do mestre foi criada uma escola
onde serão ensinadas crianças a tocarem a timbila. Ali vai se aprender a
essência deste instrumento, bem como ensinar-se também a sua produção.
Esta associação será
dirigida pela Associação de Desenvolvimento Económico de Chitondo (ADECH) e
estará sedeada em Dunhe, num investimento financeiro feito pela Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
O cenário de Quissico
É assim todos os anos.
No último fim-de-semana do mês de Agosto, todos os caminhos vão dar a Quissico,
vila-sede do distrito de Zavala, para assistir ao M´saho: o Festival de Timbila.
Os naturais de Zavala vestem as suas melhores roupas e se fazem ao local. Para
quem chega tarde não encontra lugar para se hospedar porque todos os espaços
são reservados dias antes. E, diga-se, contam-se aos dedos. Para os que não
conseguem mais não fazem senão dirigir-se até ao distrito mais próximo,
Inharrime, ou então aventurar-se até Maxixe e mesmo a cidade de Inhambane.
Há 21 anos que se
assiste a esta procissão. Porque, o M´saho é lugar de convergência de gentes de
todas as latitudes. E é também o momento de encontro com naturais daquela
terra, afamada por oferecer mandioca, mel, M´tona, conhecido como azeite
moçambicano, xibehe, que é uma farinha feita à base da semente de mafurra. Mas
também da galinha cafreal e da carne de porco.
Na vila de Quissico
montam-se barracas, levam-se para lá colunas que “vomitam” watts de som por
todos os corredores que nem dão para compreender direito que música está a ser
tocada. Mas também ninguém liga a isso porque estão todos a festejar. Os fogões
a carvão para assar frango e carne e confeccionar xima (funji de milho) e
outras iguarias estão misturados com as gentes que não se importam sentar bem
juntinho, assar espetadas de frango e de porco e no fim sair dali a cheirar a
fumo. Quem se importa. Ninguém. Bebidas de todos os tipos. Desde as
tradicionais “sura”, tirada da palmeira, ao aguardente tom-tom-to, destilado do
alambique e feita de laranja, massala-fruto silvestre ou ainda de cana. E as
zurrapas não faltam. As típicas cervejas nacionais e importadas são vendidas no
famoso estilo “3-100”.
Mas, também a Cervejas
de Moçambique (CDM) desta vez inovou, colocando as famosas tchotis ao preço
“4-100”. Triste são as garrafas, partidas muitas, e latas e o lixo espalhados
por todos os cantos da vila. Enfim, um cenário triste e desolador. Mas, todos
se animando. Outros ainda dormindo, de bêbados, nas barracas improvisadas.
É assim todos os anos em
Quissico, que se engalana para também celebrar a festa da sua elevação de
povoação à categoria de vila. E já são 23 anos.
Atrasos incómodos
Já começam a ser
entediantes os atrasos no início do festival de timbila. Mas também entendemos
que este evento deve ser marcado por muito poucos discursos de praxe e mais
festa. Já também chamamos atenção várias vezes que a Associação dos Amigos de
Zavala (AMIZAVA) deve assumir o protagonismo da coisa e não ter um papel
terciário como parece estar a acontecer nos últimos tempos.
Mas também não fica bem
o evento estar a reboque só da chegada dos dirigentes provinciais e distritais,
como aconteceu desta vez, com um atraso de mais de duas horas.
Portanto, há uma agenda
e um programa que deviam ser cumpridos. E estes atrasos não são bons e nem
dignificam os próprios organizadores do evento. Até porque isso acontece em
prejuízo da festa de timbila, pois muitas vezes há grupos que tem que somente
tocar duas músicas e tudo a correr para fazer se todos que tiverem sido
convidados possam desfilar.
E sabemos que as
condições técnicas e de iluminação não são das melhores no Miradouro de
Quissico, por isso quando não é possível permitir que todos toquem, acaba se
deixando tudo para o dia seguinte, portanto, domingo, o que, não é muito
apropriado porque, a partir das 13 horas, muitos grupos começam a rumar para as
suas localidades e outros há que pegam estrada de regresso aos seus pontos de
origem.
Jornal de notícias
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