quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Paulina Chiziane questiona papel das igrejas

Por Frederico Jamisse
Dirigindo-se aos presentes  na cerimónia de lançamento do seu mais recente livro Ngoma Yethu – O Curandeiro e o Novo Testamento, escrito conjuntamente com Mariana Martins,  Paulina Chiziane falou sobre África no contexto global, apontando as falhas recorrentes que encaminham o continente ao atraso na evolução. A obra foi lançada há uma semana em Maputo.
A libertação dos africanos começa na Academia, na coragem de assumirmos quem somos e podermos escrever a nossa história. Nos Estados Unidos, Brasil e outros países, há bibliografias sobre as tradições deles. Por isso, eu escrevo hoje pensando no amanhã”, explica Chiziane.
Paulina Chiziane questiona o papel da Igreja, especificamente, a crescente tendência de usar o nome de Deus para ludibriar as sociedades. “Em relação ao Cristianismo, vejo hoje um Pastor dizendo: cara não toca Timbila. Isso é um instrumento do Diabo. Venha para minha Igreja tocar Piano”, afirma Chiziane.
Ela contou outro episódio fazendo referência a uma moça grávida que  ao sair manchas na cara, sua mãe convida-a para ir ao Hospital. “Ela recusa ir ao Hospital dizendo que o Pastor untou a ela com azeite na Igreja.  Só que depois desmaia e quando vão para o Hospital, ela perde a vida porque o bebé dela morrera há muito tempo. Portanto, as igrejas estão a pôr em questão o Hospital”.
Paulina Chiziane também questiona a passividade da sociedade perante factos inaceitáveis. “ Que se faça a publicidade, mas que não induzam a sociedade em erro e levem as pessoas a interromperem tratamentos delicados  no Hospital.  As Igrejas novas no nosso país são agressivas. Usam o nome de Cristo para tirar a coisa do outro”.
A escritora lançou um desafio afirmando estar pronta para ministrar um curso bíblico aos Pastores das Igrejas e aos curandeiros. “Assim, eles poderão aprender aspectos culturais e integrarem a tradição africana na sua evangelização. A Ásia nunca negou sua tradição e hoje está evoluída”.
Chiziane lembrou alguns dissabores no percurso da escrita do livro. “Quando estava a escrever e cruzava com as pessoas, dizendo que estou a preparar um livro sobre Curandeiros, alguns diziam: não faça isso. Escreva sobre combatentes e outras coisas.  Mas para mim, todo este trabalho de ir às raízes ouvir as pessoas que lidam com as questões tradicionais, para mim foi muito apaixonante e acredito que vai contribuir para uma nova visão da moçambicanidade”, disse.
Com  mais de 300 páginas, a obra  estabelece um diálogo entre as religiões tradicionais africanas e o cristianismo. Analisa  a relação entre o curandeirismo e o Novo Testamento, assim como debate a contribuição das tradições no desenvolvimento das religiões universais. 
 Por Quem Vibram os Tambores do Além é o título do livro que Paulina Chiziane escrevera antes. “As pessoas não acreditavam que o curandeiro tinha sabedoria. Mas a mcel (companhia moçambicana de telecomunicações)  me acolheu e financiou o trabalho. Devido ao sucesso desta obra tive a coragem de voltar a trabalhar novamente com uma curandeira, para aprofundar outras questões  e a mcel de novo contribuiu para que o livro “Ngoma Yethu” seja acessível e recebido pelo povo”, afirma a escritora.
Paulina Chiziane iniciou a sua actividade literária em 1984, com contos publicados na imprensa moçambicana.  O  seu primeiro livro foi “Balada de Amor ao Vento”, editado em 1990, e que a tornou na primeira mulher moçambicana a publicar um romance.

jornal domingo

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