A maneira como uma
mulher moçambicana “veste” a capulana esconde significados e códigos sociais, e
essa é a grande riqueza cultural que representa em Moçambique.
No catálogo “Festa
na Ilha”, para uma das suas exposições, Suzette
Honwana escreveu:
“Sempre gostei de ver numa festa ou numa cerimónia uma senhora vestida de mukume
ni vemba. É um conjunto clássico do Sul de Moçambique. Consta de duas
capulanas cortadas numa mesma peça de pano. A maior, a mukume, com a sua
renda branca, vai amarrada à cintura, e a mais pequena, a vemba, traz-se
pelos ombros, como um xaile.
Antigamente
usava-se amarrada acima dos seios, por sobre amukume, uma
outra peça mais pequena, mas do mesmo padrão, a meiopano. Com mukume ni
vemba usa-se normalmente uma blusa de corte simples, cor lisa e de mangas
cingidas”.
As bonecas
produzidas por Suzette Honwana têm uma dimensão cultural para além da
graciosidade e perfeição nos detalhes das próprias bonecas. Elas representam
uma homenagem da sua criadora às mulheres moçambicanas e à cultura de
Moçambique, tão bem representada pelo vestuário centrado na capulana, nas suas
variantes do Norte ao Sul.
Suzette, oriunda
do Sul, mas fascinada pelas mulheres envoltas nas suas capulanas, foi à procura
delas pelo país fora e descobriu a riqueza e diversidade das diferentes regiões
no modo de vestir, acabando por criar a sua própria galeria de traje. Ela não
reproduz apenas mulheres estaticamente vestidas enfeitadas com capulanas,
missangas e rendas. Através da base flexível que representa “o corpo” em que o
vestuário se apoia, Suzette dá-lhes a expressão que as torna tão vivas. São
velhas e jovens, com o bebé às costas ou ao colo, a dançar ou a conversar em
grupo. São curandeiras sentadas consultando instrumentos de adivinhação. São
até homens, dançarinos de Mapico artisticamente retratados nos bonecos que ela
molda e veste.
Indo às origens do
significado social da capulana, a historiadora Benigna Zimba escreveu para o
catálogo da exposição das bonecas Tiassú: “Em áreas como Zavala (Inhambane),
Mecúfi (Cabo Delgado) e Memba (Nampula), o uso do tecido importado associava-se
a marcantes distinções sociais entre as mulheres. Enquanto que em Zavala a
mulher que usava capulana distinguia-se daquela que usava chivenhula, em
Mecúfi e Memba a mulher que usava capulana diferenciava-se daquela que usava nakoto.
Embora usando técnicas diferentes de manufactura, chivenhula e nakoto
são peças de vestuário feitas à base de casca de troncos de árvore”.
A GÉNESE DAS
TIASSÚ
Suzette Honwana
sempre gostou de trabalhar com as mãos e ao sabor da inspiração momentânea. E,
a certa altura, inspirando-se nas mulheres suas conterrâneas e no uso da típica
capulana, pensou em fazer uma boneca.
Em vez de
deitar fora o tubo que vem com a linha de croché, aplicou-lhe uma cabecinha e
vestiu-o com pequenos retalhos de tecido, procurando “reproduzir” uma mulher
vestida de capulana. O resultado não a satisfez mas foi o ponto de partida para
dar asas à imaginação e à sua habilidade.
Usando arame
revestido com tecido almofadado, conseguiu uma estrutura flexível que se tornou
o suporte para o corpo das bonecas e se revelou fundamental ao permitir
diferentes posições e expressões corporais. A fonte de inspiração parece
inesgotável. Se, com dez bonecas, parece que já se viram todas as variedades de
capulanas de todas províncias do país, Suzette descobre sempre mais uma como se
as figurinhas brotassem em torrente da sua imaginação.
“Passei a
observar as mulheres e a capulana de outra maneira,
a tentar captar o
essencial para o reproduzir nas bonecas”, diz ela.
“Alguns homens
que usam capulana, como os dançarinos de Mapico, a curandeira sentada em plena
acção, mulheres ataviadas com colares, outras com bebé às costas, velhas
apoiadas no cajado e transportando a sua trouxa, com lenço ou com penteados
habilmente sugeridos, e até figuras históricas, como as esposas de Gungunhana
reproduzidas a partir de gravuras antigas, são uma galeria de símbolos sociais,
de história e sobretudo de um mundo particular que as mulheres construíram para
si e para o seu lugar na sociedade”.
Quando Suzette se
viu perante tantos personagens, compreendeu que tinha representado uma parte
essencial da cultura moçambicana e reproduzido a imagem que fica na memória de
quem visita o nosso país. E lembrou-se de que, ao contrário do que sucede nos
países que conhece, em Moçambique nunca se tinham feito bonecos e bonecas
simbolizando costumes e vestuário tradicionais. As suas figurinhas podiam
tornar-se ícones do país e, ao mesmo tempo, uma homenagem feminina à sua
cultura nacional.
Ela considera que
Moçambique terá também de ter um Museu da Capulana porque é importante
reconhecer e preservar aquilo que as moçambicanas construíram à volta deste
rectângulo de tecido: um código social que a torna uma peça fundamental para o
conhecimento antropológico, histórico e sociológico do país.
Os moçambicanos da
cidade, já longe do passado rural e tradicional, descobrem em cada boneca
memórias da sua infância, as mulheres da sua família e do que elas falam. E
revêem a paisagem humana familiar nestas figuras que, de tão expressivas, até
parece que as vemos em movimento, rindo e conversando pelas estradas de terra a
caminho da machamba, ou dançando em ocasiões especiais, ou simplesmente
caminhando pelas ruas das vilas e cidades, ora exibindo ora parecendo esconder
a sua graça e poder de sedução.
O FASCÍNIO DA
CAPULANA SOBRE ESTRANGEIROS
Em geral os
turistas, mas também mulheres e homens estrangeiros que aqui vivem
temporariamente, mostram grande interesse e curiosidade pela capulana. É
frequente ver mulheres europeias nas lojas dos indianos e nos mercados rurais
deixarem-se seduzir por um desses rectângulos de pano de cores sombrias ou
muito vivas.
É uma atracção
irresistível, mesmo quando não tem para elas uma utilidade imediata. A capulana
começa entretanto a atrair modistas amadoras e estilistas profissionais que a
experimentam como material de base para suas criações de renovação e adaptação
do seu próprio vestuário à “moda moçambicana”.
As bonecas de
Suzette privilegiam o modo tradicional de vestir das mulheres de Moçambique,
com as suas variações de Norte a Sul e algumas incursões no universo masculino
ou moderno e fixando um vestuário que tem lugar num futuro Museu do Traje.
A sua
comercialização está a dar os primeiros passos porque a sua criadora só tinha
feito experiências até criar a marca Tiassú para organizar uma exposição. A
aceitação que recebeu convenceram-na a comercializá-las e aceitar encomendas em
locais de exposição como a Galeria da “Kulunguana-Associação para o
Desenvolvimento Cultural”, na Estação dos Caminhos-de-Ferro de Moçambique.
Índico (revista de bordo da LAM)
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