sábado, 28 de março de 2015

CHAMBRE NOIRE-[1] Um filme de Oumar Niguizié Sinenta




Por Luísa Fresta


Entre os dois[2] filmes malianos de ficção (na categoria de curtas e longas metragens) seleccionados para o FESPACO 2015, destaco a proposta de Oumar Niguizié Sinenta pela ousadia do tema, um intenso e brutal drama no feminino, em que a predadora é também uma vítima, sem margem mental nem espiritual para sublimar, ter asas e libertar-se da tragédia que a marcou e condicionou para sempre. Ela concebe e executa um plano diabólico, fruto da sua cega e insaciável sede de vingança, buscando respostas para questões que jamais verá respondidas.

Fatou é uma mulher que conheceu o drama da traição no casamento e se viu abandonada na sequência desse caso extraconjugal. No passado tentou forçar uma explicação e uma expiação dos culpados pela sua infelicidade e rejeição; foi assim que chegou a reunir o próprio marido infiel, a sua amante Mariam e o marido desta, 

Seydou, num mesmo local, para um interrogatório direcionado a cada um deles e também com a finalidade de lhes infligir as piores sevícias impregnadas de um simbolismo macabro. A sua busca de paz foi no entanto infrutífera, pois sobreveio um violento incêndio que vitimou os seus três interlocutores, pelo que Fatou, qual caçadora tresloucada e ferida de morte, continuou a sua perseguição implacável e obsessiva ao longo da vida, procurando casais que se assemelhassem fisicamente a Mariam e Seydou, buscando incessantemente respostas, em vão, através de uma espiral de ódio. Como explicar emoções primárias, como justificar o instinto pela razão?

Fatou tem uma cúmplice e assessora que esconde um importante segredo - relacionado com as suas próprias motivações -  e fará perigar o seu plano sanguinário de vingança sobre vítimas, aliás, completamente alheias ao drama.

Toda a trama gira em torno de desejos de vingança, de uma voracidade e intensidade incontroláveis. Para Fatou esta parece simbolizar uma redenção e tranquilidade que nunca chega a alcançar, pois se as suas primeiras vítimas pereceram num incêndio real, ela própria sobrevive dramaticamente em meio a um intenso fogo que a consome lentamente por dentro. Tal interpretação remete, aliás, para a crença da purificação pelo fogo. Fatou é uma mulher amarga e desvairada que percorre um caminho cujo único fim é o abismo.

O drama de Sinenta tem algo de tragédia grega, e consegue num curto espaço de tempo transportar o espectador para uma atmosfera lúgubre e aterradora em que as trevas se sobrepõem à luz, e a retaliação ao perdão e ao esquecimento. Vidas inocentes são ceifadas, somam-se raptos para redimir erros passados e saciar a insanidade da vingadora. Esta curta-metragem dá também lugar à narração directa que preenche os espaços que os diálogos deixam em aberto e apresenta-nos material suficiente para nos deixar curiosos, como espectadores, em relação às próximas realizações deste jovem cineasta, que, percebe-se claramente, tem um mar de histórias para contar através do cinema.

Para mais informações sobre o filme, por favor consultar também :








[1] Quarto Negro
[2] O outro filme é uma longa-metragem de ficção intitulada «Rapt à Bamako», da autoria de Cheick Oumar Sissoko 

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