Por Luísa Fresta
Entre os dois[2]
filmes malianos de ficção (na categoria de curtas e longas metragens) seleccionados
para o FESPACO 2015, destaco a proposta de Oumar Niguizié Sinenta pela ousadia
do tema, um intenso e brutal drama no feminino, em que a predadora é também uma
vítima, sem margem mental nem espiritual para sublimar, ter asas e libertar-se
da tragédia que a marcou e condicionou para sempre. Ela concebe e executa um
plano diabólico, fruto da sua cega e insaciável sede de vingança, buscando
respostas para questões que jamais verá respondidas.
Fatou é uma mulher que conheceu o
drama da traição no casamento e se viu abandonada na sequência desse caso extraconjugal.
No passado tentou forçar uma explicação e uma expiação dos culpados pela sua infelicidade
e rejeição; foi assim que chegou a reunir o próprio marido infiel, a sua amante
Mariam e o marido desta,
Seydou, num mesmo local, para um interrogatório
direcionado a cada um deles e também com a finalidade de lhes infligir as
piores sevícias impregnadas de um simbolismo macabro. A sua busca de paz foi no
entanto infrutífera, pois sobreveio um violento incêndio que vitimou os seus
três interlocutores, pelo que Fatou, qual caçadora tresloucada e ferida de
morte, continuou a sua perseguição implacável e obsessiva ao longo da vida,
procurando casais que se assemelhassem fisicamente a Mariam e Seydou, buscando
incessantemente respostas, em vão, através de uma espiral de ódio. Como
explicar emoções primárias, como justificar o instinto pela razão?
Fatou tem uma cúmplice e assessora
que esconde um importante segredo - relacionado com as suas próprias motivações
- e fará perigar o seu plano sanguinário
de vingança sobre vítimas, aliás, completamente alheias ao drama.
Toda a trama gira em torno de
desejos de vingança, de uma voracidade e intensidade incontroláveis. Para Fatou
esta parece simbolizar uma redenção e tranquilidade que nunca chega a alcançar,
pois se as suas primeiras vítimas pereceram num incêndio real, ela própria
sobrevive dramaticamente em meio a um intenso fogo que a consome lentamente por
dentro. Tal interpretação remete, aliás, para a crença da purificação pelo
fogo. Fatou é uma mulher amarga e desvairada que percorre um caminho cujo único
fim é o abismo.
O drama de Sinenta tem algo de
tragédia grega, e consegue num curto espaço de tempo transportar o espectador
para uma atmosfera lúgubre e aterradora em que as trevas se sobrepõem à luz, e
a retaliação ao perdão e ao esquecimento. Vidas inocentes são ceifadas,
somam-se raptos para redimir erros passados e saciar a insanidade da vingadora.
Esta curta-metragem dá também lugar à narração directa que preenche os espaços
que os diálogos deixam em aberto e apresenta-nos material suficiente para nos
deixar curiosos, como espectadores, em relação às próximas realizações deste
jovem cineasta, que, percebe-se claramente, tem um mar de histórias para contar
através do cinema.
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