José dos Remédios, jornal moçambicano O País.
"Uns dominarão com violência, outros
gemerão sujeitos aos seus caprichos" . Rousseau
Paulina Chiziane é daquelas autoras
moçambicanas que insiste em preservar,no universo ficcional que cria, os
traços fundamentais da sua escrita. Ao lê-la, não fica à margem a
ideia de que a escritora é fiel a si própria e às suas convicções que
a permitem partilhar preocupações, incómodos e devaneios,enquanto entidade
empírica.
De “A Balada de amor ao vento”,
atravessando “Niketche”, “O sétimo juramento” ou mesmo “As andorinhas”,
Chiziane não consegue estar alheia à morte, à traição, à miséria, à guerra, à
disputa pelo poder, à vitimização das mulheres e/ou à covardia dos homens,
aspectos que, na sua essência, culminam ou tocam nos problemas ligados à busca
pelos valores identitários centrados na tradição.
Assim, “Ventos do apocalipse”, uma
história que nos traz os melodramas dos moradores de Mananga e Macuácua num
contexto de guerra, é uma espécie de reflexo do que a miséria tem feito no seio
de uma sociedade com várias crises, desde as culturais às políticas,
consequências dos choques nefastos resultantes dos complexos interesses do
Homem. Essas crises revelam a vulnerabilidade da identidade africana que,
através dos seus povos, deixa-se vergar por tudo o que é importado. Há nesta
obra a sugestão explícita de que enquanto não houver o equilíbrio entre a
tradição e a modernidade, as catástrofes sociais em África não irão cessar,
pois do desequilíbrio surge o descontentamento dos antepassados que não reconhecem
o modus vivendi das actuais gerações.
Trazendo esse conflito, entre o
velho e o novo, “Ventos do apocalipse” mostra, simultaneamente, os caminhos
escolhidos por aqueles que atropelam a matriz cultural africana a favor e ao
serviço de um deus branco acima de qualquer suspeita, no entanto, incompetente
a resolver os problemas que afligem as personagens que, a certa altura,
caminham sem rumo. Além disso, este livro é a representação de quão ténues são
as relações sociais frutos da modernidade que sufoca a tradição e as vantagens
que daí advêm.
Entre a magia, a mentira, a
prepotência, o oportunismo e o desespero, nesta obra de Chiziane os ventos do
apocalipse, que só deixam de ser isso mesmo nos poucos momentos em que a
esperança brota, funcionam como demonstração do poder dos finados, mas também
traduz as fragilidades dos novos contratos sociais. Afinal, como diz uma certa
entidade do livro, “no tempo da fome, a única lei (que serve) é a da
sobrevivência” (p. 181), a que faz com que uns dominem com violência e outros
gemam sujeitos aos seus caprichos, como sugere Rousseau.
Em último plano, em algum momento,
ao buscar na realidade histórias verosímeis, a autora de “Por quem vibram os
tambores do além?” parece buscar na mão de Deus o que necessita para devolver a
essa mesma realidade uma razão de existência, como é óbvio, sem que a arte
literária se converta num instrumento meramente utilitário.
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