quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

"Existimos porque temos línguas" - governante moçambicano


Por Eliseu Bento
 
O Professor catedrático Armindo Ngunga, actual vice-ministro da Educação e Desenvolvimento Humano, defendeu que o povo moçambicano existe enquanto tal pelo facto de ser detentor de suas línguas.
Armindo Ngunga falava há dias na cidade da Beira, durante o lançamento do livro “Elementos de Linguística Teórica e Descritiva das Línguas Bantu”, obra na qual participa como editor.
Na ocasião, o académico recordou que as línguas moçambicanas sofreram humilhações, algo que foi aconteceu ao longo de vários séculos, com o sistema colonial então instalado a recusar reconhecer o valor das línguas nacionais.
“Vivemos muitos anos em que, de tanto sermos oprimidos, não aceitamos ser livres. A nossa mente e inconsciente traem-nos e dizem a verdade sobre nós mesmos. As línguas são a alma colectiva de um povo”, anotou, adiantando que: “Nós existimos como povo, no caso de Moçambique, mas só o somos porque temos as nossas línguas”.
Bem ao seu estilo, descontraído, e como que a querer relaxar igualmente a imensa plateia maioritariamente composta por estudantes das línguas bantu, o Professor Catedrático afirmou que “quem não fala uma língua nacional não faz campanha eleitoral. E se o faz não ganha as eleições. E o pior é que quando ganha as eleições depois divulga os resultados em português”, brincou, perante os aplausos aprovativos dos presentes.
Armindo Ngunga foi mais longe, afirmando que: “Vamos desenvolver as nossas línguas que nos dão o voto, ou as línguas que usamos quando vamos ao médico de que não falamos de dia”.
O Professor recordou que a língua encerra o conhecimento universal.
Falando mais particularmente das nossas línguas, Ngunga fez um vigoroso apelo para a sua investigação e preservação tendo em consideração que há muito conhecimento que se perde porque os moçambicanos não sabem usar as suas línguas. E mais, elas não estão documentadas.
Deu o exemplo de uma criança que antes de ir à escola sabe contar até 30 e sabe mesmo somar e multiplicar, na língua dos seus pais, mas quando vai a escola formal tem que começar tudo do zero.
A propósito, fez questão de sublinhar que a língua é um meio de acesso ao conhecimento.
Um outro reparo feito por Armindo Ngunga  é o de que o conhecimento que temos nas nossas línguas tem sido passado de pessoa para pessoa, ao longo de várias gerações. Não se escreve. Ou seja, os moçambicanos não são abertos em relação ao seu próprio conhecimento.
O académico manifestou igualmente o seu desacordo perante o tratamento que, em algumas circunstâncias, tem sido dado a língua portuguesa que é considerada como uma língua moçambicana.
“Existe a língua portuguesa e existem as línguas moçambicanas”, defendeu Ngunga, dando como exemplo o Brasil onde em determinada altura se debateu sobre a existência do brasileiro como língua.
“Não há brasileiro. Há língua portuguesa, como há língua portuguesa e há as línguas moçambicanas”, frisou.
O académico lamentou o facto de em Moçambique ainda haver muito conhecimento que não está estudado e sistematizado e que, na sua opinião, podia ser bastante útil no desenvolvimento do país nas suas mais variadas vertentes.
“O problema também é que nós vamos a universidade ocidental e depois ensinamos também a ciência europeia. Mas é verdade que eles não sabem o que nós sabemos, mas nós sabemos o que eles sabem. Quem disse que a gente não tem ciência?”, interrogou.

UM PAÍS LINGUISTICAMENTE DEMOCRÁTICO
O livro “Elementos de Linguística Teórica e Descritiva das Línguas Bantu” foi primeiramente lançada na cidade de Maputo no passado dia 3 de Dezembro.
Na ocasião, o vice-ministro da Educação e Desenvolvimento Humano dirigiu um seminário nacional sobre as línguas Bantu, no qual abordou temas como “Metodologia de Ensino Bilingue” e “Línguas de Sinais”. Participou igualmente em duas cerimónias de graduação de 1090 novos professores primários.
O livro foi apresentado pelo director da Faculdade de Ciências Sociais e Humanidades da Universidade Zambeze (UniZambeze), Martins Mapera que nas suas notas introdutórias disse que este lançamento era também uma espécie de apelo à necessidade de aprendermos e ensinarmos as línguas moçambicanas.
“Moçambique é um país rico e linguisticamente democrático”, resumiu o académico.
Fez saber que o livro, que reputou de “fabuloso”, estava estruturado em seis capítulos compostos por dissertações de mestrado de oito estudantes sendo que o professor Armindo Ngunga se encarregou pela sua edição.
Martins Mapera considerou também que “Elementos de Linguística Teórica e Descritiva das Línguas Bantu” lançava um apelo sócio-metodológico muito importante num país multilingue como é o caso de Moçambique.

“O nosso destino comum é o futuro”, concluiu.

jornal notícias de maputo

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